Negação não é opção! Embora o setor de luxo tenha crescido 4% em 2019, para cerca de 1,3 trilhão de euros em todo o mundo (Fonte: Bain & Company), e historicamente tenha permanecido mais estável que outros setores em crises anteriores, isso não quer dizer que o luxo é à prova de recessão. Não haverá misericórdia para os que têm baixo desempenho.
Quem me acompanha sabe que atuo no setor de luxo há muitos anos, com aulas na ESPM, consultorias para diversas indústrias (não só viagens), treinamentos e palestras. E esse segmento encantador tem suas próprias nuances e estratégias que valem ser analisadas de perto.
A indústria de viagens de alto padrão é uma comunidade global, com sistemas de oferta e demanda conectados globalmente. Esse ecossistema de US $ 1,54 trilhão (2019), e 62 milhões de empregos, está entre as 15 principais economias do mundo. Se fosse um país, seria maior que a Itália.
O turismo mundial proporciona 105,90 milhões de empregos e, se desconsiderarmos os fornecedores básicos (hotéis, cias.aéreas, locação de carros, agências, etc), e focarmos somente na cadeia produtiva que vivem em função da indústria, notamos Alimentos e Bebidas, um dos setores mais afetados, com 45,1 milhões de empregos ligados diretamente.
A hibernação das viagens não afeta somente os viajantes com muito dinheiro para gastar, mas milhões de pequenas empresas, assim como atrações turísticas em geral, e toda área de cultura, moda, restaurantes, esportes, etc.
Entre os 50 países mais visitados, o turismo em geral representa 10,9% do PIB (8,1% no Brasil), gerando R$ 238,6 bilhões mundialmente e empregando, só no Brasil, 7,6% de toda a força de trabalho formal do país (imagina se juntarmos a informalidade). Para 2020, a previsão de queda por aqui é de 39% no setor (Fonte: FGV).
ACELERAÇÃO DE TENDÊNCIAS (Como se preparar na prática):
Uma das muitas análises do setor que venho acompanhando, é da Mackinsey, que identificou uma aceleração das tendências que já existiam.
A pergunta que fica agora é: Haverá espaço para todos? Provavelmente não. Então, que fica? De acordo com essa análise recente é quem:
- Tem dinheiro em caixa.
- Não depende muito de atacadistas/intermediários.
- Tem marca mai forte, e são sinônimos de ‘garantia de qualidade’ e confiança de ‘entrega’.
E sempre bom complementar que, de acordo com o Barômetro de Confiança Edelman 2020, as pessoas têm mais confiança nas empresas do que no estado ou na mídia para ajudá-las na crise.
Em uma pesquisa rápida feita semana passada com 55 empresários do setor de luxo no Brasil, 10% consideraram que a crise seria negativa para os negócios, 24% estavam incertos sobre seu impacto e dois terços acreditavam que traria mudanças positivas. (Fonte: Forbes)
Concordo plenamente com a questão da aceleração de tendências, e descrevo abaixo 10, considerando essa e vários outros estudos do setor:
- RETOMAR POR ‘COMFORT TRIPS‘ – assim como o movimento gastronômico da ‘comfort food’, que remete aos sabores dos melhores e mais simples momentos da vida, resgatando pratos preparados por entes queridos, a ‘comfort trip’ pode surgir com força, pois destinos conhecidos e frequentes, uma vez que comprovadamente seguros, entre no topo da lista dos clientes, a começar pelo Brasil.
- IDENTIFICAR LACUNAS NO POSICIONAMENTO DE MARCA – Revisitar a marca, concorrência, concentrar-se nos seus valores fundamentais e garantir uma narrativa precisa, específica, orientada por insights. Conhecer à fundo o ‘propósito’ da sua marca!
- PROPORCIONAR CONFIANÇA + PERSONALIZAÇÃO – Com a retomada lenta da malha aérea, principalmente para lugares remotos, jatos menores, por exemplo, podem ser a aposta da confiança para viagens em família ou grupos de amigos.
- FOCAR NO VAL (VALOR AGREGADO DO LUXO) – Se uma marca não conseguir criar valor suficiente, ela falhará, pois os consumidores são ainda mais exigentes durante e pós uma crise. Quem se define como luxo somente através de preços caros e designs bonitos, estará rapidamente fora do mercado. Marcas que ignoram o ALV serão atingidas com mais força do que jamais imaginaram, porque a maioria está muito focada no produto.
- ESTAR ATENTO ÀS NOVAS REGRAS – existe a possibilidade de exigência do comprovante de vacina no futuro, máscaras em lugares públicos, monitoramento de pessoas, não só limpeza, mas desinfecção de hotéis (com base na hospitalidade hospitalar), etc. Sua empresa precisa estar informada e pronta para aplicação das novas medidas.
- DESENVOLVER LIDERANÇA RESPONSÁVEL – ser visto como empregador local responsável. Práticas que exploram os trabalhadores mais vulneráveis, mesmo no luxo, terão de parar. Além disso, o consumidor retorna mais sensível a temas como natureza e clima, e o cuidado / investimento no meio ambiente se tornará ainda mais relevante.
- INVESTIR EM WELLNESS ‘INDIVIDUALIZADO’ – Será que ao invés de suíte com ou sem banheira, veremos a comercialização de suíte com ou sem área fitness? Em um mundo ainda sem vacina, área comuns como spas, academias, piscinas percam o atrativo ou ainda sigam proibitivas.
- ATRAIR O NOVO ‘RESIDENTE TEMPORÁRIO’ – a valorização da realidade e da inter conectividade será ressaltada no mundo pós pandemia. Falar sobre a história, cultura, curiosidades e o legado dos destinos, assim como suas fragilidades e fatores de interdependência em relação ao turismo, terão espaço garantido entre os consumidores mais conscientes, que ao invés de viajantes, se auto nomearão ‘residentes temporários’. Sua responsabilidade e interesse pelo local que habitará temporariamente muda sua relação com a comunidade, a natureza e a motivação da viagem.
- SER MAIS DIGITAL – 72% das empresas de luxo que não vendem online agora, deveriam repensar, inclusive indústria automobilística. (Fonte: IMD). Realidade Virtual (RV) e Realidade Aumentada (RA) também contribuirão para as experiências digitais voltarem primeiro. As marcas também terão de garantir alta qualidade e experiências significativas nesses canais. Receitas de pratos, aulas de yoga e ginástica, aulas de história e culturas diferentes, etc. Superar esses pontos de ruptura será vital. Lembre-se que o ambiente digital exige autenticidade e leveza na comunicação.
- Entretanto, é preciso lembrar que a crise atingiu fortemente os laços sociais. Assim que as preocupações com a segurança desaparecerem, os consumidores poderão voltar às lojas físicas, hotéis, clubes, etc, pois esses laços serão ainda mais preciosos.
- ‘NÃO VENDER, MAS INFORMAR. NÃO É HORA DE PERSUADIR, É HORA DE PRESTAR SERVIÇO‘ – essa recomendação do Washington Olivetto que postei nas minhas redes sociais semana passada, teve enorme repercussão. Transmitir leveza, bom humor (natural para pessoas auto confiantes e seguras), e empatia em toda comunicação será a nova ordem. Manter as pessoas ‘sonhando’ com futuras viagens fará bem para elas, e para você!
Finalizo com uma frase do Olivetto, que ele sempre disse ao longo dos anos: ‘Vamos levar tudo à sério, mas rir de nós mesmos.’
E recentemente ele acrescentou: ‘Assim como as pessoas preferem conviver com pessoas bem-humoradas, ao invés de pessoas mal-humoradas, os consumidores preferem comprar de empresas bem-humoradas. Bom humor passa simpatia e autoconfiança, características típicas dos grandes vencedores. Mesmo num momento dramático como o que vivemos, o humor (quando pertinente) pode ser uma poderosa arma de vendas e construção de imagem.‘
Fontes:
- Forbes com pesquisas Mackinsey e IMD
- Estudo ILTM/Barton Impacto no Turismo de Luxo
- Sapiens Travel do super Erik Sadao.
- UOL com entrevista Washington Olivetto
- Estudo FGV Impacto do Coronavirus na Economia
- Bain & Company sobre Mercado de Luxo