10 de setembro – A França vai parar
Para justificar os 44 bilhões de euros em cortes — ou o arrocho apresentado no orçamento do atual governo — o primeiro-ministro François Bayrou defendeu a tese de que o povo francês gastou demais.
“Sua fórmula sugere que são os governos que gastam o dinheiro. Não é verdade […], são os franceses.” Diante dos jornalistas Marc Fauvelle (BFM TV), Sonia Mabrouk (CNews), Myriam Encaoua (Franceinfo) e Darius Rochebin (LCI), Bayrou se eximiu, na noite de 31 de agosto, de qualquer responsabilidade pelo estado das finanças públicas da França.
Fonte: RT France
Confrontado sobre os gastos públicos, reiterou: não foi o Estado, mas sim o povo! Afirmações surpreendentes, vindas de um membro do governo que aumentou a dívida externa em 1,3 trilhão de euros nos últimos sete anos — fato bem lembrado pelos entrevistadores, assim como o aumento da massa salarial do próprio Estado em 6,7%. As declarações do primeiro-ministro viraram manchete nos jornais do dia seguinte e se espalharam pelas redes sociais como fogo em mata seca em dia de vendaval.
Todo mundo participará do esforço contra a dívida, fora os ricos
Enquanto o governo Macron promove cortes e reduz direitos sociais, aumenta a taxação dos mais pobres, é acusado de favorecer a elite financeira, investe pesado em armamentos e cogita enviar jovens franceses para lutar na Ucrânia, seu primeiro-ministro — escolhido a dedo e à revelia das eleições, durante o período dos Jogos Olímpicos de 2024 — anuncia que o povo é o culpado pela crise financeira.
O mesmo povo que enfrenta uma inflação sem precedentes no país, sofre sucessivas reformas da previdência, vivencia o aumento do desemprego, a queda constante da qualidade dos sistemas de saúde e educação, além do crescimento da violência nas ruas, não gostou da reflexão. E ainda menos das medidas anunciadas:
Medidas de corte e contenção
- “Ano branco” fiscal:
- Congelamento do teto de impostos, benefícios sociais e aposentadorias durante todo o ano de 2026.
- Nenhum aumento nos orçamentos ministeriais — exceto para o Ministério das Forças Armadas.
- Redução de feriados:
- Proposta de eliminação de dois feriados nacionais, como a segunda-feira de Páscoa e o 8 de maio.
- Medicamentos com reembolso limitado:
- Medicamentos considerados “sem vínculo com doença declarada” não seriam mais reembolsados integralmente.
Reforma administrativa e combate a fraudes
- Redução no funcionalismo público:
- Para cada três funcionários que se aposentarem, apenas um será substituído — o que representa cerca de 3.000 cargos extintos em 2026.
- Controle de afastamentos médicos:
- Bayrou alegou que 50% dos afastamentos com atestados médicos nos últimos 18 meses não eram realmente justificados após verificação.
- A proposta prevê que apenas médicos especialistas ou generalistas possam autorizar retorno ao trabalho. Médicos do trabalho ou outros profissionais não teriam mais essa prerrogativa.
- Projeto contra fraudes sociais e fiscais:
- Promessa de apresentar uma lei no outono para combater fraudes e eliminar “nichos fiscais inúteis”.
Tributação e justiça social
- Taxa sobre pequenos pacotes importados:
- Especialmente voltada para encomendas vindas da China, como de sites Shein e Temu — que somaram 800 milhões de pacotes em um ano.
- Contribuição de solidariedade:
- Nova taxa proposta para os franceses mais ricos, como forma de compensar os cortes sociais.
Durante a entrevista, o que François Bayrou pensava ser a cereja do bolo de seu discurso foi, na verdade, a gota d’água que fez o balde transbordar.
François Bayrou Ascensão e queda fulgurantes
Colocado no poder por Macron, sem que seu partido tivesse maioria na Câmara dos Deputados, Bayrou colocou sua cabeça a prêmio ao pedir um voto de confiança à oposição para aprovar seu orçamento — o que lhe foi, obviamente, negado, levando-o à demissão. Jornais e especialistas políticos já anunciavam um haraquiri, e seus opositores claramente não se suicidariam com ele.
Mas a queda do governo Bayrou pode ser apenas o começo da demonstração de rejeição social ao governo atual. Segundo o jornal Libération, um apelo lançado por um coletivo de cidadãos no TikTok começou a circular mesmo antes da entrevista do primeiro-ministro. Em seguida, obteve adesão de membros dos Gilets Jaunes e outras associações civis no Facebook e Instagram, convidando o povo a não ir trabalhar no dia 10 de setembro e a fazer a França parar. Embora não haja nenhuma ligação do movimento com sindicatos trabalhistas estes também aderiram o movimento.

A mesma independência política que torna o movimento uma iniciativa interessante e comprova o estado de espírito de um povo insatisfeito, também dificulta sua expansão e, sobretudo, a avaliação de sua amplitude. Uma coisa é sabida. O objetivo declarado é: “Derrubar Emmanuel Macron”, segundo os slogans divulgados por coletivos estudantis.
Veja a seguir um resumo das ações previstas até o momento.
quarta-feira, 10 de setembro – A França vai parar
- Movimento “Bloquons tout” (“Bloqueemos tudo”): Surgido nas redes sociais, esse movimento horizontal e sem liderança definida convoca bloqueios em massa por todo o país.
- Mais de 700 ações previstas: Cerca de 100 na região de Île-de-France e 600 em outras regiões, conforme um mapa colaborativo atualizado na segunda-feira à noite.
Tipos de ações anunciadas

- Bloqueios:
- Rodovias em Rennes e Nantes a partir das 6h.
- Entradas do anel viário de Paris (La Chapelle, Bagnolet, Italie, Orléans) a partir da meia-noite.
- Depósitos da RATP (empresa de transporte público): Malakoff às 4h30, Belliard às 5h, Lagny às 5h30.
- Assembleias gerais:
- Universidades como Paris Cité, Sorbonne e Paris 8 organizam AGs a partir do meio-dia de terça-feira.
- AGs nas estações Gare du Nord e Gare de Lyon na manhã de quarta-feira com participação de ferroviários.
- Manifestações:
- Praça da República (11h–14h): acampamento antirracista e antifascista.
- Châtelet (13h): protesto contra o orçamento.
- Além de pequenas ações de desobediência civil, realização de pagamentos somente em dinheiro, etc.
Impactos esperados
- Transportes:
- Greve anunciada pela CGT-Ferroviários e SUD-Rail.
- Forte impacto nos trens RER, Intercités e Transiliens.
- Menor impacto nos metrôs, bondes e TGVs.
- Segurança:
- 80 mil policiais mobilizados.
- O ministro do Interior, Bruno Retailleau (em processo de saída), promete “tolerância zero” contra atos violentos.
MAPA INTERATIVO
Acesse o link para acompanhar através de um mapa interativo a mobilização
Blocages du 10 septembre 2025 : la carte des actions et mobilisations détaillées
O que vem depois?
- 18 de setembro: Nova jornada de greve convocada por sindicatos tradicionais (farmacêuticos, controladores aéreos, etc.).
- Clima tenso: setembro promete ser um teste para a capacidade do governo de lidar com o movimento social.
Nota: Imagem em destaque – “E se todos nós decidíssemos não morrer como uns merdas ( ou desgraçados)”
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