O dia em que Leonardo da Vinci se revirou no túmulo

O mundo inteiro viu as imagens das duas ativistas que atiraram sopa na Monalisa.

Infelizmente, poucos ouviram ou compreenderam a mensagem que elas tentaram transmitir. A mídia destacou nas manchetes o ato em defesa da ecologia e relacionado à questão climática. O que, de fato foi, mas não apenas…

Segue a transcrição do texto recitado pelas mulheres após o lançamento da sopa no “rosto” da Monalisa:

“O que é importante? O que é mais importante? Arte ou direito à alimentação saudável e sustentável? Nosso sistema agrícola está doente. Os nossos agricultores estão morrendo no trabalho. Um em cada três franceses não faz todas as suas refeições todos os dias.”

Em seguida, foram detidas. De acordo com o Louvre, elas haviam escondido a sopa de abóbora em uma garrafa térmica de café.

Falou-se muito menos nas televisões francesas e redes sociais sobre os milhares de tratores que invadiram a cidade de Paris na mesma semana, levando ao ápice o movimento iniciado em 2023 por seus donos, agricultores desesperados diante dos desafios que enfrentam.

Encargos, impostos, más colheitas, sistema burocrático pesado e, sobretudo, concorrência de produtos ucranianos isentos de impostos e do Mercosul transgênicos e cheios de agrotóxicos ameaçam a autonomia alimentar de um país que já viu sua Indústria desaparecer e segue desenfreadamente em direção ao “american way of life (and production)”

Ou seja, o governo pressionou tanto os agricultores financeiramente que agora estão acuados entre o desesperado desejo de usarem agrotóxicos hoje proibidos na Europa ou perderem suas terras. Os mesmos agricultores que lutam há anos por uma produção e uma alimentação saudável já não sabem como sobreviverão diante do liberalismo econômico e o colonialismo químico que estão sofrendo.

Enquanto a militância e termos como colonialismo político e cultural caem em desuso, esses e outros tipos de colonialismo, tal como o colonialismo midiático, e agora o colonialismo químico seguem se alastrando e no caso deste último matando gente.

A luta dos agricultores franceses é tão importante para nossas vidas quanto foi a Revolução Francesa. Se esses agricultores franceses tivessem o merecido reconhecimento e ganhassem essa guerra, a qualidade de sua alimentação no Brasil teria uma grande chance de melhorar.

Leonardo da Vinci, humanista, artista multidisciplinar, pintor, arquiteto, grande amante de botânica, biologia e horticultura certamente não aprovaria o crime que está sendo feito pelas grandes empresas que barateiam seus alimentos usando agrotóxicos e transgênicos para produzi-los.

Assim, Leonardo da Vinci, conhecido apreciador de uma dieta à base de legumes e até mesmo de sopa e notório autodidata, deve ter se virado no túmulo, não porque o vidro que protege a Monalisa ficou sujo, mas porque as militantes parecem não ter conseguido passar seu recado.

Leonardo da Vinci, o inventor e humanista, também não deve ter gostado que apesar de tantas imagens veiculadas, nada tenha sido dito sobre a real problemática por trás dos dois fatos.

Estamos vivenciando a luta pela manutenção da comida saudável e de boa qualidade e pela autonomia alimentar de um território. Se os agricultores franceses perdem essa guerra, o mundo perde. Enquanto alguns fazem a coisa certa, temos sempre a esperança que o exemplo se alastre, mas se eles forem erradicados, o que resta para as gerações futuras?

Eu só fico imaginando Leonardo, com as mãos levantadas, tal o homem de Vitruvio, talvez em um gesto de desespero, pedindo que a elite e grandes empresas alimentícias deste mundo deixem os pequenos agricultores exercerem suas profissões adequadamente e que a população francesa e do mundo coma uma comida sem veneno.


Notas:

O novo e jovem primeiro ministro Gabriel Attal, fez um bonito discurso e promessas de subsídios e atos comerciais para valorizar a produção francesa, abrindo as portas para discussão com os principais sindicatos e liberando as ruas e estradas aos arredores de Paris dos tratores pelo momento.  Em regiões Isère et Boches du Rhône o movimento continua. Veja como se apresenta a situação nos dias 3 e 4 de fevereiro.

  • Reabertura da A10 em Île-de-France em Dourdan em ambos os sentidos
  • Reabertura da A10 entre Saintes e Granzay-Gript em ambos os sentidos
  • Reabertura da A71 entre Vierzon e Bourges em ambos os sentidos

Algumas manifestações ainda estão dificultando o trânsito, envolvendo o fechamento de estradas pelas autoridades municipais (lista fornecida pelo jornal Le Midi Libre que provavelmente mudará rapidamente):

  • Fechamento da A7: no sector de Viena em ambos os sentidos; entre Chanas e Bollène em direcção a Marselha, entre Avignon Nord e Chanas em direcção a Lyon
  • Fechamento da A9: entre Gallargues e Nîmes Est em ambos os sentidos entre Remoulins e o cruzamento A9/A7 em Orange, em direcção a Lyon
  • Fechamento da A10 entre Saint-Maixent e Poitiers em ambos os sentidos
  • Fechamento da A20 no sector de Montauban em ambos os sentidos
  • Fechamento da A54 entre Nîmes e Garons em ambos os sentidos

“Manifestações em certos trechos e cancelas de pedágio também estão dificultando o tráfego, e alguns acessos à rodovia podem ser modificados por medidas de gerenciamento de tráfego“, diz a Vinci Autoroutes. Nas zonas em causa, a rede secundária está particularmente saturada e o tráfego é difícil devido ao adiamento do tráfego. Por isso, recomenda-se estar bem informado antes de viajar.” fonte https://www.midilibre.fr/


Se você deseja permanecer em boa saúde, siga esta dieta: não coma sem sentir vontade e jante levemente; mastigue bem, e deixe o que você acolhe dentro de você ser bem cozido e simples. Quem toma remédio se machuca. Cuidado com a raiva e evite o ar pesado. Levante-se direito quando sair da mesa e não adormeça ao meio-dia. Seja sóbrio sobre o vinho, tome-o frequentemente em pequenas quantidades, mas não fora das refeições, nem com o estômago vazio; nem atrasar a ida aos banheiros. Se você se exercitar, mantenha-o moderado. Não se deite de bruços ou com a cabeça baixa e cubra bem à noite. Deite a cabeça e mantenha a mente em alegria. Fuja da luxúria e siga a dieta.   Leonardo da Vinci

Para saber mais sobre Leonardo e sua relaçao com a gastronomia :

Léonard et la cuisine, de la Toscane à la France Pascal Brioist

Outras referências: Agrotóxicos e colonialismo químico – Editora Elefante, Colonialismo químico: por que o | Podcast | Rádio Brasil de Fato

Tumultos na França

Tumultos na França: Então a França esteve em chamas e eu, neste meio tempo, resolvi falar sobre os ensaios para os Jogos Olímpicos.

Foi voluntária minha omissão. Fiz questão de não anunciar os atos de vandalismo que assolaram as periferias pois, apesar da gravidade e extensão dos fatos, felizmente, até o momento, não tive notícias de nenhum turista afetado pelas ocorrências. E esse é minha missão, meu trabalho cotidiano e que me sustenta.  Manter a segurança de compatriotas brasileiros em visita à França.

Não, não sou egoísta ou alienada. Porém, acredito que não haja nada a dizer sobre o sucedido.

Duas pessoas cometeram erros, levando a consequências fatais. Um drama, muita tristeza.  

Nenhum jovem tem direito a andar por ai sem carta de dirigir, infringindo a lei e colocando a vida alheia em risco. Nenhum policial tem direito de usar sua arma indevidamente.

Tumultos na França: politização de uma fatalidade

O resto é politização, quero dizer, uma recuperação política indecente de todas as partes para impor raciocínios e ações errôneas. A mídia ganha ouvintes e leitores… Uns dizem que o Estado tem culpa, outros clamam que em Roma, se você não agir como os Romanos…

Nem sempre existe uma verdade absoluta em questões socioeconômicas e culturais. Buscar um culpado ao drama NESTE MOMENTO é como querer saber quem veio primeiro: ovo ou a galinha.

Já sabemos que as desigualdades criam um mal-estar social latente. Os jovens filhos de imigrantes, confrontados a uma sociedade de consumo elitista selvagem, as redes sociais ostentatórias, as ambições frustradas pelo sistema de ensino, assim como a completa distorção do processo esforço e recompensa enlouqueceram e tentaram dar uma “lição” aos indiferentes. Paradoxal e infelizmente, reforçaram aos que os discriminam sua visão restrita e obtusa da situação. 

Quando na realidade, a meu ver, para os envolvidos a hora é de luto e reflexão. Para os demais, hora de respeitar.

A situação nas periferias está voltando ao normal. A briga vai continuar, mas agora o tumulto passou para o mundo virtual: vaquinha para ajudar a família do policial ( + ou – 1 milhão arrecadados até ontem) , vaquinha para a família do falecido adolescente ( + ou – 200 mil euros arrecadados até ontem) , hackers ameaçando juízes, twitters rolando soltos.

Os visitantes não estão em perigo, mas vale lembrar: como em todo lugar do mundo, se houver tumulto de um lado, vá para o outro. Aqui, se houver tumulto em direção aos Champs Elysées ( difícil de acontecer com 40 000 mil “defensores da ordem” nas ruas) o pior que pode acontecer ao passante é ter que desviar para a Torre Eiffel, o Louvre ou a área da Igreja Notre –Dame, por exemplo.

O Mont Saint-Michel comemora mil anos

O Monte Saint Michel é um dos lugares mais famosos e visitados da França, ele recebe anualmente mais de 3 milhões de turistas ficando atrás somente da Torre Eiffel e do Palácio de Versalhes.

Hora envolta por água, hora envolta por areia, a baia do Mont Saint Michel é um lugar único.

Situada a 360 km de Paris, a ilha rochosa cravada entre a Normandia e a Bretanha abriga um dos mais antigos edifícios do país. Em 2023, a abadia que reina sobre o penhasco celebra o seu milênio.

Paris Mont Saint-Michel 362 km

Recentemente, o presidente Emmanuel Macron esteve presente no local para a abertura das festividades.

Festejando 1000 anos duas vezes

De fato, a origem do Mont Saint-Michel se encontra no século VIII, quando o bispo de Avranches, Aubert, teve uma visão do arcanjo Miguel pedindo-lhe para construir uma capela no topo da ilha. Aubert obedeceu e iniciou a construção da primeira igreja dedicada ao arcanjo em 708. A partir desse momento, o Mont Saint Michel tornou-se um importante centro de peregrinação e devoção.

Em 966 monges beneditinos se instalaram na ilha e começaram a construir a magnífica abadia gótica que hoje domina a paisagem.

Em 1965 o então presidente Georges Pompidou deu também início as festividades comemorativas dos 1000 do Monte Saint Michel. Naquele momento comemorava-se a instalação dos beneditinos no local e do começo da construção do edifício. A abadia concluída quase três séculos depois é considerada uma verdadeira obra-prima da arquitetura medieval.

1965 : le Mont Saint-Michel célèbre le millénaire de son abbaye | INA

Mont Saint-Michel – Abadia, Fortaleza, Prisão

Além de sua importância religiosa, o Mont Saint-Michel teve também um papel significativo na história da França. Ao longo dos séculos, a abadia foi ampliada e fortificada, resistindo inclusive a vários ataques. Durante a Guerra dos Cem Anos, o Mont Saint Michel foi uma das poucas fortalezas da região que permaneceu fiel ao rei francês, apesar do cerco inglês.

Na Mancha, próximo ao inimigo durante a Guerra dos Cem Anos

Durante a Revolução Francesa o convento foi transformado em cárcere e recebeu vários prisioneiros políticos e religiosos.

No século XIX, o local foi restaurado e valorizado como monumento histórico e artístico. Em 1979, foi inscrito na lista do patrimônio mundial da UNESCO, juntamente com a sua baía.

Atividades comemorativas do milênio

Para comemorar o aniversário de 1000 anos, o Centro dos Monumentos Nacionais e a Abadia organizaram uma programação especial, que inclui mostras, espetáculos, conferências e publicações. 

Entre eles, uma exposição sobre a figura do arcanjo Miguel, um espetáculo de luzes no solstício de junho, um concerto de música sacra e uma performance de dança vertical na fachada da igreja. O objetivo é mostrar como o Mont Saint Michel continua sendo uma fonte de inspiração e de emoção para milhões de pessoas ao redor do mundo.

A exposição “A morada do arcanjo 1000 anos de história e de criação” apresenta a evolução arquitetônica e artística da igreja abacial, desde o século XI até os dias de hoje. A mostra reúne cerca de 200 obras, entre esculturas e seu acesso está incluído no bilhete regular da visita à abadia.

Mont Saint-Michel – Natureza Única

A mesma baía que acolhe a obra sacra é também famosa pelas suas marés excepcionais, com variações de até 15 metros entre a maré baixa e a maré alta são chamadas “galopantes” devido a velocidade média das águas de 60 km por hora.

Hora envolta por água, hora envolta por areia, a baia do Mont Saint Michel é um lugar único onde espiritualidade, cultura francesa e uma paisagem natural excepcional se oferecem aos visitantes.