Paris dos Francs-Maçons

Você já tentou escrever algo sobre uma confraria teoricamente secreta sem nunca ter feito parte dela? Há muito tempo desejo escrever sobre Paris maçônica. Afinal que são os Francs-Maçons? Qual sua influência na França e sua capital?

Construtores de catedrais? Cavaleiros Templários? Iluminados? Republicanos? Revolucionários? Aonde começa e porque existe a Maçonaria? Esta fraternidade iniciática formada misteriosamente, possuidora de uma longa história e tradições um tanto quanto ecléticas. Por seus segredos e o que me parece uma variedade de contradições, a Maçonaria sempre me intrigou e muito!

Durante uma visita ao Museu da Maçonaria de Paris não deixei de me surpreender com a disparidade de referências a tradições que compõem a criação e filosofia da ordem: aqui, um verdadeiro trabalhador e sua espátula; lá, um avental decorado com uma pirâmide, uma cena de iniciação de talhadores de pedras na idade média, escrituras em hebreu ou ainda cenas bíblicas.

Os velhos manuais detalhando rituais da ordem apelam às referências cristãs ricas em simbolismo e objetos usados regularmente nas tradições maçônicas: temas do catecismo, do Templo de Salomão, da Rosacruz se misturam às ideais de igualdade, fraternidade e liberdade de pensamento.

De fato, sua vasta iconografia, originária de mil fontes, é frequentemente tema de discussões em “workshops”, durante reuniões em círculos fechados ou seminários, assim como inspiram igualmente uma grande quantidade de literatura popular. Durante a visita ao museu, constato que os Maçons misturam sem muita preocupação os mitos da antiguidade, os fundamentos do cristianismo, as imagens dos Templários e da cavalaria medieval, o esoterismo renascentista, as tradições dos construtores, o espírito do Iluminismo, o positivismo científico, como uma espécie de fé secular e republicana. Este cocktail aparentemente incompreênsivel constitue, no entanto, um conjunto de idéias solidas e visionárias.

… “Durante três séculos conseguimos nos enriquecer de todas as tradições espirituais do mundo, contanto que elas não fossem contrárias aos nossos princípios da tolerância e do livre-pensamento”, resume Marc Henry, o novo Grãn-mestre da Grande Loge de France. Uma opinião partilhada por Pierre Mollier, diretor do Museu do Grande Oriente de França, em Paris: “A Maçonaria é uma viagem iniciática na civilização, um sincretismo incrível, que alimentou as sociedades que a viram nascer sem espírito de dogma…” afirmam estes especialistas ao jornalista Vincent Nouzille do jornal Le Figaro.

Graças a  visita guiada do museu, buscas na internet e a obtenção de literatura sobre assunto na simpática boutique especializada situada oportunamente ao lado do museu,  as idéias foram ficando mais claras.

As bases do movimento filosófico atual apareceram do outro lado do canal da Mancha, mas têm sua origem histórica nos verdadeiros maçons, profissionais reunidos em confrarias desde a idade média. Antes de se tornar uma instituição filosófica e filantrópica, a maçonaria nasceu em reuniões de artesões organizados em confrarias para formar novos profissionais, defender sua classe e protegerem-se mutuamente em caso de tempos difíceis. É fácil conceber que naquele momento, o conhecimento do Mestre de Obra, sua experiência e sabedoria fossem consideradas de grande riqueza. Acredita-se que em uma catedral cada pedra talhada possua um significado, cada abóboda edificada e pintada abrigue uma razão especial para estar ali.

A passagem das tradições dos artesões maçons às lojas maçonicas e seu movimento filosófico continua inexplicada ou baseada em lacônicas suposições. No entanto sabe-se que o desenvolvimento da maçonaria atual aconteceu na Escócia e na Inglaterra no século XVII.

Enquanto as corporações de construtores de catedrais (chamados maçons em francês)  declinavam, as lojas maçônicas foram abertas a generosos notáveis locais, chamados senhores maçons ou free-masons- maçons livres. Estas assembleias tinham como objetivo o estudo filosófico e filantrópico.

Essas novas lojas retomaram as graduações (aprendiz, companheiro e mestre), ritos e as ferramentas dos talhadores de pedras  para construir simbolicamente o “Estado de perfeição humana”, como se talhassem uma pedra bruta- o mundo. O compasso refere-se à igualdade e a sabedoria, o esquadro à legitimidade, a régua representa a medida, o fio de cobre é o equilíbrio, o martelo e alavanca evocam à força, a espátula é semelhante a irmandade.

Durante a criação da Grand Lodge of London, em 1717 em uma taverna de Londres chamada Goose and Gridiron, esta ordem iniciática mudou completamente sua natureza primeira: a simples instituição reuniu gradualmente elites financeiras do Reino, sem barreiras de estatuto social ou religião. Entre seus promotores, se cruzaram na loja de Londres, dentro de clubes ou círculos de estudiosos da Royal Society, o rico Duque de Montagu, próximo à Corte, o antigo exilado de La Rochelle e protestante Jean-Theophilus Desaguliers, seu mestre e cientista Isaac Newton, o magistrado-enólogo de Bordeaux, Charles de Montesquieu, iniciado em Londres em 1730.

As Lojas Maçônicas na França

Graças as lojas que aparecem em Paris de 1725 e em Bordeaux em 1732 o modelo parlamentar britânico, o liberalismo político, a tolerância religiosa e racionalismo científico se espalharam pelo país. Renomados iniciados, dentre os quais Voltaire, Mozart, Goethe, La Fayette, Benjamin Franklin , difundiram as idéias do Iluminismo, inspiradas na revolução americana de 1776 e criaram o ideal revolucionário Francês de 1789.

Apesar das novas idéias anti-absolutistas, este movimento intelectual não se opõe a priori aos poderes estabelecidos, nem as igrejas dominantes. Tradicionalmente, os maçons parecem ser bastante conformistas. Até mesmo pastores e padres se iniciaram na maçonaria, apesar da bolha do Papa Clemente XII de 1738 ameaçando excomungar os católicos maçons.

É sabido que no fim do século XVIII mais de 90 por cento da classe política da França era constituída por Francs-Maçons.

Durante o Primeiro Império, Napoleão Bonaparte, além de imperador tornou-se Maçom inveterado em uma inteligente manobra para controlar possíveis focos de insurreições.

Símbolos egípcios presentes em determinados ritos criados sob a influência de Cagliostro, polêmico personagem italiano do século XVIII,  foram  propagados sob o Império após a expedição militar de Napoleão Bonaparte de 1799. Enquanto as lojas floresceram sob a supervisão de Joseph Bonaparte, seu irmão, os principais oficiais do Império acreditavam que o culto da civilização egípcia tinha arte, iconografia e arquitetura suficientes para enriquecer as ordens da época. “Vimos aparecer deusas e pirâmides em todos os lugares”, escreve Raphaël Aurillac, iniciado na Grande Loge national francêsa e autor do guia maçonico de Paris. Lojas napoleônicas oficiais também foram fundamentadas no Cairo, os discípulos de Memphis. Um dos seus membros, na França, continuou a linhagem egípcia em 1815 com o nascimento do rito de Memphis, que se fundiu em seguida com outro rito, de Mizraim, derivados de tradições esotéricas.

No século XIX, muitas vertentes da Maçonaria foram  alimentadas por fontes místicas, eruditas e ocultistas em voga desde a Renascença: existem alguns empréstimos alegóricos do Hebraico, do esoterismo grego,  enfim, um típico conjunto de imagens populares, bem como alusões aos alquimistas, astrólogos e outros videntes. Foi na França que estas deviações místicas foram mais fortes, causando várias crises e divisões dentro da ordem. Com o tempo os adeptos racionalistas e agnósticos distanciaram-se das correntes deístas e “Illuminati”

A sede de novidades característica da revolução industrial e a instabilidade política que marcou o século XIX agravaram as tendências místicas durante o período. Finalmente, o Grande Oriente de França abandonou todas as referências à Deus em 1877 e se tornou um local de debates políticos. Nas lojas forjou-se o republicanismo secular e progressista em resposta aos governos conservadores até então apoiados pela Igreja Católica. Este liberalismo laico e ativista de alguns iniciados franceses continua  sendo no entanto uma exceção na Maçonaria: dentre os mais de 4 milhões de membros atualmente ativos no mundo, principalmente anglo-saxões apenas dezenas de milhares de francófonos reivindicam sua legítima laicidade. A maioria ainda venera o grande arquiteto. Independentemente do nome que toda a gente lhe dá.

Lojas, ritos e graus.

As “Obediências”são federações de «lojas» governadas por organismos nacionais. As “Obediências” francesas principais são:

A Grande Oriente de França (GODF), cujos estatutos datam de 1773, adogmatique, muitas vezes considerada de esquerda, inclui 50.000 irmãos;

A Grande Loge nationale française (GLNF), fundada em 1913, espiritualista e reconhecido pelos regulares tradições das lojas anglo-saxônicas, considerada de direita com aproximadamente 40.000 irmãos;

A Grand Lodge de França (GLDF) apareceu em 1894, espiritualista, com 33.000 irmãos;

A Federação Francesa de Droit Humain (DH), nascido em 1893, mistura obediência adogmatique com 17.000 membros;

A Grand Lodge da França (GLFF das mulheres) apareceu em 1952, obediência espiritualista de 13.500 irmãs.

Ritos codificam práticas orais e gestuais nas lojas. Vários ritos podem ser usados dentro de uma mesma “Obediência”. Na França, o mais praticado é o antigo Rito Escocês desenvolvido por anglo-saxões entre 1805 e 1820. Ou ainda o Rito francês, desenvolvido entre 1784 e 1801, principalmente praticado no Grande Oriente e o Droit Humain. Existem outros ritos – como o Rito Escocês retificado, estilo inglês, rito de York, o rito de Memphis-Mizraim, etc – mas são usados mais marginalmente.

Se a Maçonaria reúne fiéis de todas as esferas, “não entender que as leis da harmonia universal são o trabalho de um grande arquiteto parece inconcebível para um discípulo de Locke e Newton,” resume o historiador André Combes. Ao longo do tempo, este “grande arquiteto do universo” perdeu sua importância exclusivamente divina. «Ele pode representar a consciência, Deus ou qualquer princípio criativo, uma vez que a interpretação dos símbolos é livre, diz Marc Henry, da Grande Loge de France».

Hoje a ordem maçônica, aparentemente antiquada e dividida, continua atraindo mais e mais candidatos. Conta na França com 160.000 irmãos e irmãs declarados, ou seja, três vezes mais que há trinta anos.

No decorrer de sua história, as Lojas formadas por cientistas, médicos, políticos, engenheiros, personagens oriundos ou satélites das classes dirigentes deixaram e seguem deixando seu legado por toda a França e especialmente em sua capital. Em edifícios, em descobertas científicas e medicinais, em vários monumentos e na música encontramos obras de Francs-Maçons. Considerando a vasta iconografia esotérica, religiosa e antiga, com um esforço de interpretação por parte do visitante iniciado ou conhecedor, Paris parece repleta de referências, pinceladas e algumas vezes claras menções da “irmandade”através da cidade.

É possível fazer um tour temático de Paris ou ainda visitar o Museu da Maçonaria na pedestre e simpática Rue Cadet, no distrito 10. A entrada do museu custa 9€. O museu acolhe em determinadas ocasiões  grupos recepcionados e guiados em francês por um membro iniciado.

A verdade sob a pirâmide invertida do Louvre

A pirâmide de entrada do Louvre está localizada no meio do pátio externo do museu, lugar este denominado pátio Napoleão. Encomendada pelo então Presidente da República François Mitterrand, em 1981, foi projetada pelo arquiteto chinês-americano Ieoh Ming Pei. Ela é composta por 603 losangos e 70 triângulos de vidro,sua estrutura é inteiramente construída em metal e pesa cerca de 100 toneladas.

Embora a pirâmide tenha suscitado muita controvérsia durante a apresentação do seu projeto,  foi inaugurada em 30 de março de 1989 e tornou-se rapidamente a terceira obra mais popular do museu após A Mona Lisa e a Venus de Milo.

Outra pirâmide quase tão famosa é a Pirâmide Invertida, situada no interior do Carrossel do Louvre, construída com a mesma lógica da polêmica e extrovertida irmã, porém menor, tendo apenas 84 losangos e 28 triângulos. Seu extremo aponta para uma pequena pedra, também de formato piramidal.

No final do livro Código Da Vinci, o personagem criado por Dan Brown, Robert Langdon descobre que esta pequena pirâmide de pedra situada sob a pirâmide invertida é o topo de uma sala que abriga o túmulo de Maria Madalena. Esta revelação totalmente fantasiosa fez o pequeno monumento  virar um mito moderno e entrar na lista de pontos turísticos da cidade. É bem verdade que a Igreja Sainte-Marie-Madeleine, localizada há 1,2 km da pirâmide invertida, conserva um relicário contendo o fêmur esquerdo de uma mulher de cerca de 50 anos de idade que morreu há 20 séculos, de tipo mediterrâneo, medindo em torno de 1m 58…Mas essa é outra história.

Dan Brown, não foi o único escritor a fazer interpretações místicas sobre a pirâmide invertida do Louvre. No livro O guia de Paris maçônica do advogado e escritor Raphaël Aurillac, o autor supõe que no Louvre haveria existido um Templo Maçônico. Também segundo Aurillac, as várias pirâmides de vidro construídas em décadas recentes proveriam o do simbolismo maçônico. Aurillac vê na pirâmide invertida apontando para a pequena pirâmide de pedra a expressão do lema V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiorem Terrae Rectificandoque / Invenies Occultum Lapidem, “visita o interior da terra e… você encontrará a pedra secreta”), divisa de Alquimistas e da Rosa-Cruz.

 

No entanto durante as escavações e buscas que precederam a construção das ditas pirâmides, o que foi descoberto  na verdade foi o atelier de Bernard Palissy, grande ceramista do reino durante o renascimento. Nascido em 1510, o artista, criador de um estilo próprio e precursor de técnicas mundialmente reconhecidas foi acusado de ser protestante. Protegido por Caterina de Médici, Palissy sobreviveu aos ataques da São Bartolomeu em 1572, no entanto foi preso em 1589 e condenado a morte pela “Liga” católica devido à sua crença, morreu na Bastilha de fome, frio e maus tratos.

No local onde hoje tronam a Pirâmide Invertida e a pequena pirâmide de pedra foram encontrados em 1985 pedaços de louças e artefatos domésticos, além de uma peça magistral: uma caverna encomendada por Caterina de Médici em 1565, destinada a enfeitar o jardim do extinto palácio de Tuileries. Pedaços de lagartos, sapos, serpentes e variedades de conchas desvendaram segredos de delicadas técnicas de moldagem e pintura. Os vestígios do atelier do excepcional artista condenado a morrer na Bastilha, estão atualmente expostos no Louvre e no museu d’Ecouen.

Conheça nas imagens abaixo a descoberta do atelier de Bernard Palissy e sua obra.