Claude François,o pesadelo de Frank Sinatra

O titulo deste texto é Claude François, o pesadelo de Frank Sinatra, mas poderia ser Claude François, Frank Sinatra e o Brasil. Descubra o porquê.

As fronteiras do principal destino turístico do mundo seguem fechadas (*1). O turismo se encontra em letargia! Mas eu estou aqui com você querido leitor!

Pois, mesmo sem deslocamentos e visitas, nos resta a cultura e muitos fatos que fizeram da França o que ela é. Curiosidades que sempre quis dividir com você e nunca tive tempo, como a história de Walt Disney da semana passada e agora esta sobre o cantor Claude François.

Poucos sabem que a famosa canção My Way (*2) , levada ao sucesso internacional graças à Frank Sinatra é francesa. Composta por Jacques Revaux e Claude François, criada em 1967 sob o título “Comme d’Habitude” ou “Como de Hábito” foi adaptada, para o público anglo-saxão, por Paul Anka antes de ser interpretada no palco por Frank Sinatra.

Na boca do ítalo-americano, o lamento do homem francês ( Claude François) sobre o peso do quotidiano em sua vida amorosa tornou-se a história de um artista em fim de carreira, que olha para trás e faz o balaço de sua vida.

Coincidentemente a última canção do lado B e canção título do disco de Frank Sinatra foi lançada simultaneamente ao próprio adeus do artista aos palcos, anunciado para o mesmo ano de 1969. (“And Now, The End is Near…“) Falso adeus,  já que o “old bleu yes” continuaria a cantar My Way, entre outros sucessos, por mais um quarto de século, antes de finalmente sair de cena em 1998.

Sucesso planetário x tortura mental

O fato é que “My Way” grudou na pele do artista, se tornando possivelmente uma de suas canções mais populares.

No entanto, concerto após concerto durante um período de 25 anos, ele nunca hesitou em dizer ao público exatamente o que ele achava dela:

“Eu odeio essa música – se você a cantasse por oito anos, você odiaria também!” (Caesars Palace, 1978)

“E, claro, chega a hora do momento torturante – não para vocês, mas para mim.” (L.A. Anfiteatro, 1979)

“Eu odeio essa música. EU ODEIO ESSA MÚSICA! Eu estou até aqui com essa maldita canção!” (Atlantic City, 1979)

E ainda assim, em muitas dessas mesmas apresentações, ele disse à multidão que a mesma música tinha sido “muito boa para mim – e cantores como eu”. Afinal “My Way” é uma canção que fez mais do que qualquer outro título para a última fase da carreira de Frank Sinatra. Ela praticamente relançou sua carreira.

Quanto à Claude François, o cantor francês, ele fez grande sucesso durante seus quinze anos, se tornando um dos artistas franceses mais populares de seu tempo. Era considerado como uma espécie de “Roberto Carlos” da França antes de sua morte acidental em 1978.

(The last but not the least) Eu, pessoalmente não gosto do repertório de Claude François, nem de My Way eu gosto, porém não deixa de ser interessante o fato de  Claude François ter marcado também a vida de muitos brasileiros, mesmo sem que eles tenham jamais ouvido este nome até os dias de hoje.

anos 60/70

Claude franÇois e a música francesa no brasil

Não foi somente Paul Anka que teve a brilhante idéia de adaptar a música de Claude François. De fato, as “trocas” musicais entre brasileiros e franceses eram mais comuns do que imaginamos. Veja alguns exemplos:

Le téléphone pleure –autor Claude François 1974

O telefone chora –  intérprete Márcio José 1975


Tu t’en vas 1975 – autor Alain Barrière

Não se vá -intérpretes Jane e Erondi 1977


a música brasileira na franÇa

E essas trocas musicais se fizeram da França para o Brasil , mas também aconteceram no sentido contrário. A França, por sua vez, se apaixonou pelo nosso samba e a bossa nova.


Partido Alto – Chico Buarque de Holanda 1972

Qui c’est celui-là ? (Quem é esse ai ?) Pierre Vassiliu 1973.

Título número um na França em 1974.  Adaptação de Partido Alto de Chico Buarque.

O disco do mesmo nome vendeu 300.000 cópias em quatro meses. O “partido alto” em francês não envelheceu e até hoje anima as festas e noitadas de nostálgicos.


Samba da Benção autor Vinicius de Moraes 1967

Saravah –Pierre Bayrou – filme Um Homem, Uma Mulher 1966.

Espere até 21 segundos do filme. Um dos meus filmes preferidos da Sessão Coruja. O artista Pierre Bayrou veio ao Rio e escutou a canção antes mesmo de ser gravada no Brasil. De volta à França, Pierre Bayrou convenceu Claude Lelouche a mudar o cenário de seu filme pra introduzir a sua versão em francês de Samba da Benção.


Enfim, mesmo se o turismo está letárgico, a França ainda tem muita história para contar. Sua ligação com o Brasil e influência no mundo é atemporal. Assim como, a influência da música brasileira na França também não deixa nada à desejar, é claro.

Começamos com o pesadelo de Frank Sinatra e acabamos fazendo um passeio musical no passado *3. Nada mais adequado para uma terça feira de Carnaval.

Espero que tenha gostado.  Abraços e a semana que vêm tem mais!


Outros

Águas de Março, Vanessa Paradis
Bia, Coração Vagabundo
Henry Salvador, Eu sei que vou te amar
Brigitte Bardot canta bossa nova
Jeanne Moreau canta samba
Patrick Bruel e Chico Buarque
France Gall Maria Vai Com As Outras – Vinicuis de Moraes
Anos 30, quiça onde tudo começou!

Notas:

*1 De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo, desde a década de 1990, a França tornou-se o principal destino turístico do mundo  (89 milhões de turistas internacionais em 2017).

*2 My Way é uma das músicas mais gravadas no mundo com Yesterday dos Beatles e Georgia on My Mind escritas e gravadas em 1930 por Hoagy Carmichael e Stuart Gorrell, e popularizada em 1960 por Ray Charles7.

De acordo com o relatório de 2012 da SACEM, graças ao sucesso de My Way, “Comme d’Habitude” continua sendo a canção francesa mais exportada. As receitas anuais somam mais de um milhão de euros.

*3 Não gosto mesmo de introdução, desenvolvimento e conclusão.

O dia da mentira e nossas heranças francesas


O dia da mentira nasceu quando Charles IX decidiu alterar a data da mudança do ano cristão. 

De fato o papa Gregório XII já havia mudado a data dois anos antes, mas somente em 1564 o Rei Charles IX determinou que o ano cristão começasse no dia 1 de Janeiro ao invés de 1 de abril na França.

O acontecimento teve como conseqüência a mudança do dia de troca de presentes que marcava a passagem para o ano novo.

Naquela época os presentes então oferecidos eram geralmente alimentos. Como o dia 1 de abril marca o fim da Quaresma – período durante o qual o consumo de carne é proibido para os cristãos – o peixe era o presente mais comum.

Alguns franceses resistiram à mudança de data realizada por Charles IX e continuaram a seguir o calendário antigo, pelo qual o ano se iniciava dia 1 de abril. Gozadores passaram então a ridiculariza-los, enviando presentes extravagantes como falsos peixes ou convites para festas inexistentes. Na França este dia é chamado de Poisson d’avril, ou Peixe de abril. Em 200 anos o costume de fazer piadas mentirosas criou raízes na França e se espalhou pelo mundo.

No Brasil, o primeiro de abril começou a ser difundido em Minas Gerais, pelo o jornal A Mentira lançado no 1º de abril de 1828, com a notícia do falecimento de Dom Pedro, desmentida no dia seguinte. A Mentira saiu pela última vez a 14 de setembro de 1849, convocando todos os credores para um acerto de contas no dia 1º de abril do ano seguinte, dando como referência um local inexistente.

Incrível, não é mesmo?                                             

Mas o dia da mentira não é a única coisa que herdamos da França. O texto de Lorena Dillon, editado para o Ano da França no Rio de Janeiro e abaixo transcrito, nos lembra de alguma delas:

O Carnaval: A festa foi trazida pelos franceses. No século XI já existiam as festividades antes da quarta feira de cinzas, data do início da quaresma na religião católica.  Os franceses foram quem deram elegância e brilho ao carnaval, o luxo aos bailes de máscaras que saíram dos salões da nobreza para as ruas de Paris, atravessou os mares e chegou às Américas.

A elite carioca adota o baile de máscaras na segunda da metade do século XIX.

As primeiras notícias sobre o uso da serpentina surgem em 1893, um ano depois do confete. A idéia da serpentina surge com a brincadeira das telegrafistas francesas, que lançavam, umas sobre as outras, as fitas de papel azulado usadas nos telégrafos da época.

A Quadrilha: Surge com força no final do século XVIII uma contradance que agradou tanto o imperador Napoleão Bonaparte, que ele fez dela peça obrigatória dos grandes bailes de sua corte imperial. Com um toque teatral, a dança representa uma festa de casamento contada através das evoluções da coreografia, daí a existência do narrador que comenta a ação e dita os comandos em francês para a evolução da dança.

 No Brasil, a quadrilha vira moda nos salões do século XIX. Aqui ocorre a fusão cultural e a quadrilha que deriva da polca, ganha ritmos do maxixe e depois do baião. Foi mantida com narrativa francesa a representação de um casamento, embora de forma debochada, além de termos inserido elementos na narrativa como o padre e o pai da noiva.

Música: A importante influência francesa na cultura brasileira tem na música um dos seus exemplos mais marcantes. A música erudita o compositor francês Claude Debussy  provoca uma revolução com sua nova divisão rítmica. O maestro Heitor Villa Lobos fora um dos seus seguidores, que por sua vez influenciou Dorival Caymmi e Tom Jobim.

 A influência francesa de Debussy está em “o mar”, composição de Dorival Caymmi, que resgata o cancioneiro popular e abre portas para a liberdade harmônica da música popular brasileira.

 A música dos “chansonieres” franceses ( cantadores de canções) introduziu a música de fossa, ou mais conhecida como “ dor de cotovelo”. No Brasil a cantora que melhor representou este estilo musical foi Maysa Matarazzo. Muitas intérpretes brasileiras como Ângela Ro Ro e Alcione já cantaram a música francesa mais famosa no Brasil, Ne me quitte pas de Jaques Brel. A versão francesa mais conhecida é na voz de Edith Piaf.

Um dos cantores franceses mais populares da França é Charles Aznavour, que se apresentou no Brasil pela primeira vez em 1959, em apresentação no Teatro Copacabana. O cantor, em sua turnê de despedida em Abril de 2008, declarou seu amor ao Brasil e retornou ao país em Setembro para fazer mais sete shows.

Teatro: A França influenciou mundialmente o teatro e um dos templos irradiadores é a Comédie-Française, fundada por decreto de Luís XIV, em 1680. O nascente teatro brasileiro tem forte influência francesa, com encenações de peças que faziam sucesso em Paris. A comédia Moliere, pseudônimo de Jean Baptiste Poquelin, influenciou escritores brasileiros como Martins Pena e Artur Azevedo. A atriz francesa Henrriete Morineau participou do movimento de profissionalização do teatro brasileiro e teve papel fundamental para consolidação do teatro no país.

Vaudeville, chamado Alcazar Lírico, na rua da Vala, atual Uruguaiana, deu origem ao teatro de revista. Eram espetáculos apresentados em francês e português e tinha uma diversidade de números apresentados em uma só noite. É nesta época que entra em cena o Can Can.

Finalmente, neste dia da mentira, descobri que somos mais franceses do que imaginávamos!