Rota de Miguel arcanjo

Miguel aparece apenas cinco vezes na Bíblia. No entanto, é uma das figuras mais populares na religiosidade cristã, no esoterismo e na umbanda. Chamado de Príncipe das Milícias Celestiais, o arcanjo é invocado diante de grandes perigos e batalhas espirituais. Dados da Expocatólica apontam um crescimento significativo nos últimos anos em produtos relacionados a São Miguel. Não apenas no mercado editorial católico e evangélico, mas na comercialização de imagens, chaveiros e camisetas. Tal fato pode ser explicado pelo crescimento de movimentos carismáticos e também por conta do aumento da violência e medo na população.

No turismo, observou-se também uma procura cada vez maior pela rota dedicada a ele que une Europa e Israel. A chamada Linha Sacra, curiosamente em perfeita linha reta, indica e liga 7 santuários consagrados a Miguel Arcanjo onde, supostamente, ele teria aparecido e operado milagres.

O início da jornada se dá na Irlanda, em Skellig Michael, mosteiro na ilha deserta onde São Patrício teria recebido orientações do arcanjo para libertar o país das trevas. A segunda parada se dá na Inglaterra, em um monte localizado em uma ilha próxima a Cornuália. Dizem as lendas que um grupo de pescadores foi salvo de uma terrível tempestade pela figura angélica. Posteriormente uma série de milagres foram a ele atribuídos, com destaque para a cura de doenças graves.

O mais famoso ponto da rota é a terceira parada: o Monte Saint Michel, entre Bretanha e Normandia, na França. Trata-se de um dos três monumentos mais visitados do país. Não apenas pelo caráter religioso, já que o arcanjo teria aparecido para o bispo Aubert, no século VIII e pedido a construção de uma capela, local importante para as peregrinações cristãs durante e Idade Média, mas sobretudo por conta da beleza natural. O monte torna-se uma ilha quando a maré sobe. Em 2012 tive a oportunidade de visitar, junto do reitor do local, a pequena capela onde tudo começou. Jornalistas brasileiros ateus que viajavam comigo ficaram impactados e sentiram misto de emoções. Uma delas decidiu converter-se ao catolicismo após a viagem.

O próximo ponto é a Sacra di San Michele, em Turim, na Itália. Trata-se de um imponente complexo de mil anos, composto por monastério, igreja e hospedaria. Era parada obrigatória no período medieval para franceses que iam a Roma e italianos que peregrinavam até o Monte Saint Michel.

Ainda na Itália é possível visitar a gruta de São Miguel, no Monte Sant’Angelo. Na região da Apulia, encontra-se uma caverna onde se ergueu o Santuário de São Miguel Arcanjo, no século V, após sua aparição a São Lourenço Maiorano.

Seguindo-se em linha reta encontra-se a penúltima parada, na Grécia. O Monastério de Symi foi construído no século XI, depois da aparição de Miguel a um eremita de nome Luke. O mosteiro abriga uma das mais importantes imagens do arcanjo.

Por fim, a rota termina em Israel, no Mosteiro de Monte Carmelo, construído no século XII. O local é também conhecido pelo nome de Monastério Stella Maris. Grande parte dos católicos que visitam a Terra Santa, conhecem o lugar.

Tal rota exige logística detalhada e suporte de operadoras especializadas. São muitas passagens de avião. Trata-se de um produto caro, quando se decide fazer de uma só vez toda a jornada. Ocorre que muitos agentes acabam sugerindo que as visitas sejam feitas em diferentes viagens. Assim, alguém que vai pra França visita o Monte Saint Michel; em outra oportunidade por ir a Grécia e visitar o Monastério de Symi. Trata-se da oferta mais comum.

Ainda assim, tive a possibilidade em minhas viagens de encontrar brasileiros que faziam uma única viagem, de ponta a ponta. Assim como acontece com os peregrinos de Santiago de Compostela, muitos não eram católicos praticantes tampouco evangélicos.

Trata-se de uma tendência importante na economia da religião. A ver.

São Miguel e os mil anos de sua aparição

Poucas pessoas sabem, mas o Monte Saint Michel, na Normandia,  é o segundo monumento mais visitado na França e o quarto mais importante destino de peregrinações cristãs no mundo, depois de Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela. Em 2023 comemora seu milésimo aniversário e por essa razão, a administração do santuário -sim, é um santuário- vai promover uma série de atividades, incluindo uma exposição com fotos e objetos históricos.

A longa história do Monte remonta a 708 EC quando o bispo de Avranches tem uma experiência mística e recebe do Arcanjo Miguel a incumbência de construir um mosteiro e um santuário em sua homenagem. Para quem não sabe Miguel é , ao lado de Joana D´Arc, o padroeiro da França. Em 966, os beneditinos lá se instalaram. Em pouco tempo, o local se tornou um grande centro de peregrinações da Europa, muito por conta de sua localização, próxima a Grã-Bretanha. Embora o protetor da Inglaterra seja São Jorge, os ingleses têm particular devoção àquele que os católicos dizem ser o comandante das milícias celestiais.

Pesquisas arqueológicas mostram, no entanto, que muito antes de se tornar um centro espiritual católico, o espaço abrigou templos de culto a deusas celtas, assim como Chartres e outras igrejas católicas na França e na Grã-Bretanha.

Durante a Revolução Francesa, o espaço se tornou prisão. O que parecia um sacrilégio para os católicos da época, foi na verdade, tempos depois, considerado um milagre; já que o monumento, diferentemente de outros na França, foi preservado do vandalismo e da demolição.

Nos anos 2010 tive a oportunidade, enquanto diretor adjunto da Atout France acompanhado de um grupo de jornalistas brasileiros, de visitar o coração do Monte Saint Michel. Trata-se de um lugar fechado para o público e é onde São Miguel teria aparecido ao bispo no século VIII. Lá se vê um pequeno altar em pedra. Nota: embora simples,  muitas pessoas que me acompanhavam, agnósticos e de outras religiões não cristãs, sentiram inexplicavelmente uma emoção no local.

A maior parte das pessoas faz um bate-e-volta até lá quando estão em Paris. Além dos famosos omeletes de Mère Poulard, o ponto turístico ficou famoso por conta das marés que o deixa ilhado. Mas é possível ter uma série de experiências religiosas no monte: seja por conta das missas com canto gregoriano, seja por conta de uma casa que recebe gratuitamente os peregrinos devotos de São Miguel. Tal espaço é administrado pela Fraternidade de Jerusalém e acolhe por uma noite gente do mundo inteiro.

Assim como Saintes Maries de la Mer, no sul da França, com sua festa a Santa Sara Kali, protetora dos ciganos, o Monte Saint Michel se tornou um destino espiritual para não católicos. Esotéricos e umbandistas visitam o local também em busca de experiências espirituais. Para muitos pais e mães de santo idosos, São Miguel divide com São Jorge o posto de protetor da Umbanda.

O ideal é uma estada maior na região. A Normandia é também famosa no circuito religioso por conta de Lisieux, onde se encontra o Santuário de Santa Terezinha do Menino Jesus, e Pontmain, um dos locais preferidos pelos marianos. A pequena cidade teria sido salva por Nossa Senhora que apareceu no século XIX e prometeu que tropas inimigas desviariam as trajetória polpando seus moradores.

As viagens religiosas são importantes para o turismo da França: seja Ars, onde padres do mundo inteiro se dirigem para seus votos, seja Lourdes, santuário mariano onde se registraram muitas curas, ou até mesmo Paris. Quem nunca ouviu falar da igreja da medalha milagrosa? Os parisienses não dão tanta atenção, mas virou febre entre os católicos brasileiros.

Informações sobre o monte podem ser obtidas no site: www.montsainmichel.gouv.fr ou https://cchotels.com.br/ , que representa as vilas e santuários franceses .