São Miguel e os mil anos de sua aparição

Poucas pessoas sabem, mas o Monte Saint Michel, na Normandia,  é o segundo monumento mais visitado na França e o quarto mais importante destino de peregrinações cristãs no mundo, depois de Jerusalém, Roma e Santiago de Compostela. Em 2023 comemora seu milésimo aniversário e por essa razão, a administração do santuário -sim, é um santuário- vai promover uma série de atividades, incluindo uma exposição com fotos e objetos históricos.

A longa história do Monte remonta a 708 EC quando o bispo de Avranches tem uma experiência mística e recebe do Arcanjo Miguel a incumbência de construir um mosteiro e um santuário em sua homenagem. Para quem não sabe Miguel é , ao lado de Joana D´Arc, o padroeiro da França. Em 966, os beneditinos lá se instalaram. Em pouco tempo, o local se tornou um grande centro de peregrinações da Europa, muito por conta de sua localização, próxima a Grã-Bretanha. Embora o protetor da Inglaterra seja São Jorge, os ingleses têm particular devoção àquele que os católicos dizem ser o comandante das milícias celestiais.

Pesquisas arqueológicas mostram, no entanto, que muito antes de se tornar um centro espiritual católico, o espaço abrigou templos de culto a deusas celtas, assim como Chartres e outras igrejas católicas na França e na Grã-Bretanha.

Durante a Revolução Francesa, o espaço se tornou prisão. O que parecia um sacrilégio para os católicos da época, foi na verdade, tempos depois, considerado um milagre; já que o monumento, diferentemente de outros na França, foi preservado do vandalismo e da demolição.

Nos anos 2010 tive a oportunidade, enquanto diretor adjunto da Atout France acompanhado de um grupo de jornalistas brasileiros, de visitar o coração do Monte Saint Michel. Trata-se de um lugar fechado para o público e é onde São Miguel teria aparecido ao bispo no século VIII. Lá se vê um pequeno altar em pedra. Nota: embora simples,  muitas pessoas que me acompanhavam, agnósticos e de outras religiões não cristãs, sentiram inexplicavelmente uma emoção no local.

A maior parte das pessoas faz um bate-e-volta até lá quando estão em Paris. Além dos famosos omeletes de Mère Poulard, o ponto turístico ficou famoso por conta das marés que o deixa ilhado. Mas é possível ter uma série de experiências religiosas no monte: seja por conta das missas com canto gregoriano, seja por conta de uma casa que recebe gratuitamente os peregrinos devotos de São Miguel. Tal espaço é administrado pela Fraternidade de Jerusalém e acolhe por uma noite gente do mundo inteiro.

Assim como Saintes Maries de la Mer, no sul da França, com sua festa a Santa Sara Kali, protetora dos ciganos, o Monte Saint Michel se tornou um destino espiritual para não católicos. Esotéricos e umbandistas visitam o local também em busca de experiências espirituais. Para muitos pais e mães de santo idosos, São Miguel divide com São Jorge o posto de protetor da Umbanda.

O ideal é uma estada maior na região. A Normandia é também famosa no circuito religioso por conta de Lisieux, onde se encontra o Santuário de Santa Terezinha do Menino Jesus, e Pontmain, um dos locais preferidos pelos marianos. A pequena cidade teria sido salva por Nossa Senhora que apareceu no século XIX e prometeu que tropas inimigas desviariam as trajetória polpando seus moradores.

As viagens religiosas são importantes para o turismo da França: seja Ars, onde padres do mundo inteiro se dirigem para seus votos, seja Lourdes, santuário mariano onde se registraram muitas curas, ou até mesmo Paris. Quem nunca ouviu falar da igreja da medalha milagrosa? Os parisienses não dão tanta atenção, mas virou febre entre os católicos brasileiros.

Informações sobre o monte podem ser obtidas no site: www.montsainmichel.gouv.fr ou https://cchotels.com.br/ , que representa as vilas e santuários franceses .

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Ricardo Hida

Doutorando, Mestre em Ciência da Religião e pesquisador da PUC-SP em Turismo religioso, é escritor e professor. Graduado pela FAAP e pós-graduado pela Casper Líbero, trabalhou na Air France, Accor, Atout France e hoje dirige a Promonde, consultoria de marketing e comunicação. Escritor, está à frente também do Fórum de Turismo e espiritualidade. Foi em uma viagem de imprensa a Lourdes, na França, na época em que era diretor adjunto do escritório de Turismo francês no Brasil, que Ricardo Hida compreendeu a dimensão do Turismo religioso. Ao voltar para São Paulo, foi conhecer mais sobre esse universo que movimenta milhões de viajantes a cada ano em todo o mundo, há muitos séculos. Romarias, peregrinações, retiros. Não importa a tradição, o segmento não para de crescer.