Novo santuário atrai 100 mil visitantes em sua abertura

Os números impressionam: uma área de 180 mil metros quadrados, dos quais 10.600 m2 de edificação que abrigam até 5 mil pessoas sentadas e 2 mil em pé, estacionamento para 200 ônibus e até mil carros.  Em seu primeiro mês de funcionamento o Novo Santuário de Santa Rita de Cássia já recebeu mais de 100 mil visitantes e caravanas de várias cidades do Brasil. Centenas de grupos já se organizam para visitar o espaço ainda em 2022.

Essas informações ganham ainda mais relevância quando se descobre que a cidade de Cássia, em Minas Gerais, cuja padroeira é Santa Rita, a quem o santuário é destinado, tem apenas 18 mil habitantes. Comerciantes da região entendem que a economia da cidade passará por uma significativa transformação e o turismo irá assumir protagonismo jamais imaginado. Redes hoteleiras dispostas a investir, assim como aumento na oferta de empregos. Mas também pudera, o projeto foi muito bem pensado. Não só se ergueu um espaço para missas, para um nome que tem forte apelo entre os brasileiros, mas também uma réplica da casa da santa, nascida em 1381, em Roccaporena, foi construída no sudoeste de Minas.

Santa Rita de Cássia é muito popular no país. E popularidade de santo no Brasil se mede com o número de igrejas dedicadas a ele, números de cidades que apadrinha e o número de imagens vendidas a cada ano. A santa italiana no Brasil ainda conta uma vantagem.  No Rio Grande do Norte, na cidade de Santa Cruz,  está localizada a maior estátua católica do mundo até então, que a representa  e foi inaugurada em 26 de junho de 2010.

Os motivos que tornaram Santa Rita muito querida dos católicos é, além dos inúmeros milagres a ela atribuídos, sua história. Foi uma mãe de família, teve seu marido assassinado, cuidou de leprosos, combateu a violência de seu tempo, viveu situações inexplicáveis e tem entre fiéis milhões de mulheres que se identificam com sua história. É considerada, assim como São Judas Tadeu, resolvedora de casos impossíveis, principalmente doenças muito graves.

O importante no turismo religioso é valorizar a narrativa, pensar no público alvo,  fortalecer o sentimento de pertencimento e oferecer experiências que vão além de celebrações pontuais.  Em todos esses aspectos, Cássia dá um banho de estratégia e planejamento. Um elemento importante é quando a cidade estabelece uma relação de irmandade com qualquer outra no mundo. A Cássia brasileira é irmã da Cascia italiana e com o santuário, torna-se o mais importante centro de devoção no país. Vale lembrar que os prefeitos católicos se valem da fé para firmar importantes alianças,  como, por exemplo, São Roque que a poucos quilômetros da capital paulista e com sua rota dos vinhos, tornou-se um município irmão de Montpellier, no ensolarado e badalado Sul da França.

O turismo religioso é uma ferramenta cada vez mais importante para fortalecimento de vínculos entre fiéis. O movimento neopentecostal cresceu nas periferias brasileiras porque estimulou uma rede de apoio que a Igreja Católica foi incapaz de oferecer no final dos anos 80, 90 e 2000.  Através das viagens, cada vez mais acessíveis, os católicos reavivam a fé, fortalecem narrativas e sentimento de pertencimento. Muitos destinos brasileiros deveriam olhar com mais cuidado para potencial que carregam. A fé remove montanhas.

Expresso de Hogwarts na grande São Paulo

Santo André  tem vocação turística? Veja bem, não estou falando do vilarejo em Santa Cruz Cabrália, na Bahia, mas da cidade que faz parte do ABC paulista. Pare, reflita e pesquise antes de responder com um sonoro não.  Há sim, potencial turístico no município em que nasceu a CVC. No último 13 de maio, Paranapiacaba, distrito de Santo André, recebeu a 17ª edição da maior convenção de bruxas & magos da América Latina. Moradores da região pareciam estar em cenas de filme. Homens e mulheres – alguns vestidos com capas medievais, chapéus pontudos e roupas de época, praticantes de religiões neopagãs, ufólogos e demais místicos se encontraram para uma série de rituais, palestras, cursos e apresentações artísticas.

Os hotéis da região, assim como restaurantes e o comércio local adoraram.  Mas não é a primeira vez que o encontro acontece, embora por conta da pandemia, a cidade deixou de receber a convenção nos últimos 2 anos. Desde que a Associação Brasileira de Bruxaria elegeu uma casa histórica na região como sede, Paranapiacaba entrou na rota de magistas de todo o mundo.

Segundo o censo de 2010, 640 mil brasileiros disseram ser praticantes de “outras religiões” que não as tradicionais – católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, espíritas kardecistas, umbandistas e candomblecistas. É claro que nem todos esses indivíduos são praticantes da wicca, religião que surgiu na década de 1950, tampouco fazem de outras tradições neopagãs. Mas o número de wiccanos, segundo alguns estudos acadêmicos não para de crescer.

Reportagem publicada no jornal O Globo, em 2020, aponta que o Brasil teria 300 mil bruxos, segundo a União Wicca do Brasil, dos quais 40 mil estariam no estado do Rio de Janeiro e 20 mil em São Paulo. Em sua maioria, millenials e geração Z. Tal informação se mostra coerente com uma matéria publicada há duas semanas na Folha de S.Paulo. O jornal aponta que o número de jovens entre 16 e 24 de outras religiões é maior que os de católicos e evangélicos nos dois estados.

A convenção em Paranapiacaba ganhou projeção midiática. A prefeitura de Santo André explicou seu apoio como ferramenta de uma estratégia de turismo segmentado.  Nesse sentido, reforço que turismo religioso se dá em várias frentes e tradições. Não apenas naquele voltado para cristãos. Praticantes da wicca, segundo pesquisas, têm alto poder aquisitivo, são early adopters de novas tecnologias, viajam em grupos para EUA e Inglaterra, além de fecharem pousadas no interior do pais e no litoral para prática de rituais.

No entanto, ainda há pouca profissionalização neste tipo de turismo, o que não deixa de indicar excelente potencial para pioneiros. Empreendedorismo não tem mágica. Sucesso vem da observação de oportunidades antes dos outros, estudos de mercado, planejamento e trabalho. Sorte é quando o espírito visionário identifica possibilidades, coragem e transpiração. Sem preconceito.

São Thomé das Letras: só vendo pra crer

Até o século XVIII, a área hoje conhecida por São Thomé das Letras abrigava aldeias indígenas que foram expulsas por bandeirantes. O município com pouco mais de 7 mil habitantes localiza-se no Sul de Minas Gerais, a 346 km de Belo Horizonte e 347 km da cidade de São Paulo e tornou-se referência internacional em turismo esotérico.

A atividade principal da cidade é extrativista, com imponente pedreira. A pouco mais de 1,4 mil metros acima do nível do mar, São Thomé é uma típica cidade serrana edificada sobre um largo depósito mineral de quartzito.

Para quem não sabe, utiliza-se esse mineral ao redor das piscinas. E são as pedras , fartamente utilizadas nas construções da cidade, que fortalecem a imagem de um destino esotérico. Igrejas, ruas, casas e até uma pirâmide foram construídas com esse material. Contudo o turismo têm uma importância irrefutável para a economia.

Embora seu centro histórico seja tombado como Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, não é a história que torna a cidade tão famosa, mas sua aura mística que atrai até 4 mil turistas em um final de semana. Diz a lenda que o fazendeiro João Francisco Junqueira- cujo escravo João Antão recebera uma carta de alforria do santo católico – é o fundador do município . Justifica-se a expressão “das letras”, por vestígios rupestres vermelhos encontrados na gruta onde o escravo liberto se deparou com o santo.

O milagre? Storytelling

Thomé foi o discípulo de Jesus que só acreditava vendo. E só um milagre explica que a pequena cidade se tornou essa referência em turismo espiritual. Não se sabe ao certo como ela se transformou em uma referência para  esse segmento. Apesar da estória de João Antão, não houve nenhuma aparição mariana ou milagre que justificasse esse destino. Fato que ela reúne tudo o que os novaeristas adoram: pedras, grutas, cachoeiras, relatos de OVNIs e mistérios.

Há quem acredite que portais ligam São Thomé a Machu Picchu. No meio esotérico se diz que ela é um dos 7 chakras (ponto de força) do planeta. Uma possível explicação é que São Thomé se tornou um destino turístico após a década de 1960, quando artistas e comunidades alternativas lá chegaram. O artesanato, com forte influência hippie, está presente em todo o comércio local.  De forma análoga, Embu das Artes, em São Paulo, também recebeu esse público nos anos 1970 e 1980 e ainda assim, não se tornou o que é sua versão mineira.

Pousadas recebem praticamente em todos os finais de semana grupos de ufólogos, bruxos, esotéricos para vivências e rituais. Há estadas mais longas e mesmo wiccanos celebram lá seus casamentos. É comum ver pessoas vestidas como figurantes do Senhor dos Anéis, em determinados períodos do ano. Mas a filosofia élfica para por aí. Nada de lutas. Uma coisa é certa: lá as pessoas levam ao pé da letra a expressão paz e amor. Os índices de violência são baixos. As pessoas buscam experiências transformadoras. Querem sair da rotina, do estresse. Embora os jovens sejam maior parte dos turistas, a vida noturna é bem distinta das grandes capitais. Além dos bares, sempre com nomes alternativos, à noite, grupos se reúnem para observar possíveis OVNIs. Detalhe: Varginha, famosa por seu ET, fica a 50 km do município.

Estrela do turismo mineiro

A saber, no ano passado, o Observatório de Turismo de Minas Gerais publicou em seu relatório que o destino mineiro mais procurado no pós-pandemia foi São Thomé das Letras. Em maio de 2021 a cidade havia recuperado o movimento de 2019.

É claro que nem todo mundo que vai a cidade acredita em extraterrestres, elementais da natureza e bruxaria. Muita gente busca o turismo ecológico e o turismo de aventura, também muito fortes na região. As cachoeiras são belíssimas e muito instagramáveis. Poucos são os turistas que não acham divertidas e curiosas as narrativas espirituais. E é aí que mora a magia do posicionamento do destino. Tudo faz parte da experiência da cidade, como almoçar no restaurante O Alquimista. Além disso, não há como fugir de cristais, camisetas com temáticas orientais e incensos para levar como recordação da viagem.

A expressão “eu não creio em bruxas, mas que elas existem, elas existem” faz todo sentido nesta parte do sul de Minas.

o turista religioso pode ser jovem e esportista também

Falsos deuses, mitos ou preconceitos?

Mitos são essenciais quando se fala de religião. Mas passam longe quando o assunto é decisão em negócios e estudos de mercado. Falar de turismo espiritual exige observação, pesquisas e muita reflexão.  Esqueça a imagem de freiras, padres e casais idosos em viagens de ônibus  visitando igrejas do interior para pagar promessas como retrato único deste segmento. Ele é múltiplo e complexo, como a fé dos brasileiros, mas, diga-se de passagem, altamente lucrativo.

Há que se entender primeiramente que turismo religioso pode se compor com outras modalidades, como gastronômico, cultural e até esportivo – de caminhadas, cavalgadas até escaladas. Não é uma atividade única, isolada. Eis o primeiro mito: tal modalidade assume ora a posição de protagonista, ora a posição de coadjuvante.

Quantos turistas, não religiosos, visitam catedrais góticas e igrejas barrocas na Europa, ou mesmo em Minas Gerais e Bahia? Quantos brasileiros na Ásia não foram conhecer templos budistas ou hindus mesmo nunca tendo ouvido falar de Krishna ou sutra? Sem deixar de mencionar as visitas a mesquitas no Oriente Médio, Norte da África e Espanha.

O advogado do diabo dirá: mas não houve motivação religiosa, apenas cultural. Mas ainda assim tais espaços não perderam seu status de local sagrado onde ritos acontecem. Nessas ocasiões o turismo religioso é chamado de coadjuvante mesmo movimentando, de forma significativa, a economia local. No entanto, que mais nos interessa, é quando a religião assume o protagonismo em uma viagem.  E nesse sentido, é preciso quebrar um segundo mito: tais viagens nem sempre são feitas por fiéis praticantes.

O crescimento dos “sem religião”

Muitos fundamentalistas religiosos não gostam de mencionar, mas na Europa, na América do Norte e mesmo no Brasil, pesquisas indicam que percentualmente, o número de pessoas “sem religião” é o que mais cresce. Ainda que movimentos pentecostais e neopentecostais ocupem mídias e mesmo posições importantes políticas, o crescimento não tem sido tão vigoroso como foi nos anos 90 e início dos anos 2000. Já aqueles que não se identificam com uma fé específica não para de crescer. É o que chamamos de novo movimento de secularização. 

Lembro: não estamos falando de crescimento absoluto, mas aumento relativo, percentual. E pessoas que se dizem “sem religião” não são necessariamente ateístas. Essa última categoria também está presente nesta segmentação mas não é a mais importante.

Pessoas sem religião podem ser aquelas que, em um movimento influenciado por aquele da Nova Era criam suas práticas religiosas de forma muito pessoal, não assumindo rótulos e compromissos com uma tradição específica. É a tal da espiritualidade independente.

São indivíduos que nasceram em um lar católico ou protestante, por exemplo, mas tomam passe no centro espírita vez ou outra, estudam Cabala, praticam Yoga, usam branco no réveillon porque traz boas energias. Podem ser os que não dispensam um tarô, como curiosidade -claro, ou ainda que correm para um terreiro quando a coisa aperta.

Há também os que buscam o self, o tal autoconhecimento. E para isso procuram rituais xamânicos, peregrinações a Santiago de Compostela ou meditação na Ásia.  Para eles, a viagem espiritual é a tal da experiência transformadora sem passar por nenhum processo de iniciação. Não querem ter vínculos religiosos. Querem apenas uma vivência transcendental. Desconectada da rotina. Usam expressões como “recarregar baterias”, “silêncio interior”, pagando caro por tal jornada e assim, destruindo o terceiro mito: a de que turismo religioso tem ticket médio baixo.

Turismo de experiência: muito além do vinho

Há um equívoco ao se associar o turismo de experiência apenas com enogastronomia ou esportes. Ou ainda crer que grupos religiosos são católicos para Roma ou evangélicos para Israel. A maioria desses turistas hoje deseja um processo de desintoxicação emocional, física e mental .

É claro que trabalhar com tal mercado exige conhecimento. Não dá para uma pousada no interior de São Paulo, como ouvi recentemente, receber certos grupos de yoga e servir presunto no café da manhã e carne no jantar. Quando eu era gerente de marketing na marca Sofitel criei amenities para muçulmanos, bússolas nos quartos, tapete individual para orações e o Alcorão no lugar da Bíblia.  Fidelizamos muitos clientes corporativos. Mas não é disso que estamos falando: clientes fiéis?