Esta é a terceira e última reportagem sobre a Rota da Música no sul dos Estados Unidos. O roteiro de cerca de 900 quilômetros entre Nashville, Memphis e Nova Orleans é uma imersão no passado e no presente de quatro gêneros musicais que incendiaram o século XX e ditaram os caminhos da arte no XXI: jazz, blues, country e rock and roll. Neste novo capítulo, saímos do Tennessee para chegar à Luisiana e à badalada, festiva, histórica e assombrada Nova Orleans.
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A viagem partiu de Nashville, a capital do country, e passou por Memphis, a terra do blues e um dos berços do rock and roll. Agora, em Nova Orleans, o tom é de jazz. Na teoria. Na prática, a cidade da Luisiana é um universo de vários gêneros musicais.
Nas peculiares ruas do Frech Quarter (Bairro Francês), dá para escutar um pouco de muitos ritmos. Até música brasileira. Nova Orleans, no entanto, é conhecida como a capital do jazz.
Na primeira reportagem, sobre Nashville, eu expliquei como percorrer a Rota da Música, a época melhor para visitar a região, as maneiras de voar do Brasil a esses locais e outras informações importantes para quem pretende fazer o roteiro. Aqui, você confere todos os detalhes.
O PERCURSO
De Memphis, parada intermediária do circuito, a Nova Orleans, temos o trecho mais longo da Rota da Música. São 632 km que, sem paradas, podem ser vencidos em cerca de cinco horas e meia – note que há fuso horário entre as duas cidades.
É praticamente uma descida pelo Rio Mississipi, que passa por Memphis e termina em Nova Orleans. Mas quem quiser vê-lo terá de desviar da estrada principal.
Por falar em estrada, ao sair do Tennessee e entrar na Luisiana, nota-se que a qualidade do asfalto começa a piorar. Ao menos, no início do trajeto. Logo passamos por Baton Rouge que, embora não seja a cidade mais conhecida e importante, é a capital do Estado.
A cerca de 80 km de Nova Orleans, começa o espetáculo: a rodovia suspensa. Ela está sobre os pântanos da Luisiana e, depois, sobre o deslumbrante Golfo do México. É uma vista impressionante ao por do sol.
Quando o Golfo do México surge, ainda estamos a cerca de 40 km de Nova Orleans. Porém, os prédios do centro da cidade já podem ser vistos, bem como as luzes, ao cair do sol.
As estradas suspensas já mostram um pouco do que é Nova Orleans. Uma cidade cercada por pântanos e muita água, tanto do rio quanto do golfo. A umidade é uma das marcas registradas de Nola.
MIX DE CULTURAS em nova orleans
Africanos, franceses, espanhóis e norte-americanos de diferentes origens e raças. A influência de todos esses povos forma o caldeirão cultural que caracteriza Nova Orleans, e a torna peculiar. Essa miscigenação também está em aspectos como arquitetura e gastronomia.
A cidade é parte do sul dos EUA, onde a escravidão só foi abolida no século XIX, com a Guerra Civil. Passou por um período de influência espanhola e, junto com toda a Luisiana, por um longo domínio francês – antes de ser incorporada definitivamente aos Estados Unidos.
Não é à toa que a área mais conhecida de Nola se chama French Quarter – Bairro Francês, em tradução livre. A arquitetura peculiar, com as casas de tijolos e sacadas repletas de vasos de flores, é inspirada na França.
No French Quarter, há diversas lojas sobre o vudu, prática religiosa que é herança dos africanos. É do vudu que vêm alguns mitos sobrenaturais da cidade, como a bruxaria. Nola também é considerada uma morada de vampiros, uma lenda que ganhou impulso com romances da escritora Anne Rice, que se passavam na cidade e no Estado da Luisiana.
A conexão entre vampiros e Nova Orleans já foi muito explorada no cinema americano, em filmes como “Entrevista com o Vampiro”, baseado no romance de Rice. E também por séries como “The Originals” e “True Blood”.
Para conhecer melhor a interessante cultura que que é o vudu, além das lojas do Quarter vale uma visita aos belíssimos cemitérios da cidade. Entre eles há o Lafayette e o St. Louis – cobra US$ 25 de ingresso.
French Quarter
Antes de embarcar na música, vamos fazer um giro por Nova Orleans? Há muita coisa para conhecer. Começamos pelo French Quarter. A famosa Bourbon Street está lá. É uma concentração de bares e de pessoas festejando na própria rua.
É comum ver paradas de bandas tocando desde jazz a hits de Elvis Presley na Bourbon, a qualquer momento do dia ou noite, atraindo multidões. Por lá, em fevereiro, também ocorre o Mardi Gras, o famoso carnaval de Nova Orleans.
Outra rua famosa do Quarter é a Royal, com seus antiquários, lojas de móveis, joias e artesanato. Uma visita imperdível na região é a Catedral de Nova Orleans, também conhecida como Catedral St. Louis. De estilo francês, fica na bonita praça Jackson (Jackson square). Outra igreja importante da cidade é a St. Patrick.
Essas igrejas e catedrais católicas são fruto da influência francesa. Chamam ainda mais a atenção por serem raras nos EUA. O catolicismo não é dominante no país.
Bem próximo à catedral, o Mercado Francês (French Market) tem culinária típica da cidade e muito artesanato. Lá, um dos destaques são as representações das cabeças de crocodilos, comuns nos pântanos ao redor de Nova Orleans.
Já a Canal Street, que delimita o Bairro Francês, tem os melhores hotéis da cidade e butiques de marcas de luxo. Há ainda um shopping com direito às lojas de departamento americanas que todos adoram, como a sofisticada Saks 5th Avenue.
Além dos bares, a região do French Quarter também tem muitos restaurantes especializados em crawfish (lagostim) e Gumbo, pratos típicos da região (leia mais sobre culinária de Nola abaixo). Mas os melhores estão fora do Bairro Francês.
Outras atrações em Nova Orleans
Fora do French Quarter, a arquitetura muda, e o local a se visitar é o Garden District. Algumas plantações pré-Guerra Civil ficavam lá. Depois, se tornou local em que os plantadores, antes do conflito, construíram suas propriedades urbanas.
As casas, muitas delas restauradas, são inspiradas nas de plantações. Sabe Tara e Twelve Oaks, as fazendas do à época aclamado e agora polêmico filme “E o Vento Levou”? São propriedades assim que você vai encontrar no Garden District.
A maioria das casas foram construídas nos séculos XVIII e XIX. O distrito fica a cerca de 5 km do Bairro Francês.
As imediações de Nova Orleans também são uma grande atração. Há tours para visitas aos pântanos e também às tradicionais plantações de algodão – com mansões construídas antes da Guerra Civil.
A música em Nova Orleans
A música é a principal atração de Nova Orleans. Você vai querer reservar pelo menos um dia para passar a tarde e a noite rodando de bar em bar, para escutar bem executadas variações de jazz e outros ritmos. Mas, antes de entrar nessa programação, da qual é difícil querer sair, vá ao Preservation Hall.
Trata-se de uma casa com apresentações de jazz a cada 45 minutos. Nomes importantes do ritmo se apresentam no local diariamente. Os ingressos, a partir de US$ 25, podem ser obtidos no site ou na hora, por meio de um QR code que dá acesso ao link de compra.
Já os bares da Bourbon Street são de acesso livre – pega bem pagar gorjeta às bandas, que sempre a requisitam. Por lá, há sets de jazz, mas também de blues, rock and roll, músicas latinas e até brasileiras. Nas ruas das imediações, os bares com bandas ao vivo também são inúmeros.
A ordem é ir de bar em bar, escutando estilos e bandas variadas. Mas, para ver o que Nova Orleans oferece de melhor quando o assunto é música, o local é a Frenchmen Street.
Marigny
Embora a arquitetura do local seja a mesma do French Quarter e a região, vizinha, a Frenchmen Street fica em uma área chamada Marigny, bem menos turística e tumultuada que o bairro francês.
Na Frenchmen, comecei o dia com uma sessão de jazz contemporâneo no Spotted Cat Music Club. Atravessando a rua, parti para o Cafe Negril, para escutar um set com hits de Frank Sinatra, Amy Winehouse e até Garota de Ipanema. A banda tinha um guitarrista brasileiro e vocalista mexicana.
Em seguida, fui ao Bamboula’s, em que a espetacular arquitetura remete ao início do século XX e o jazz clássico era o prato principal. Após o jantar (veja abaixo), o dia, já noite, terminou em um mix de blues e rock no 30°/-90°.
Também na área de Marigny está aquele que é considerado o bar mais antigo dos Estados Unidos ainda em operação. É o Lafitte’s, construído em 1732. Por lá, não há música ao vivo o dia todo. Apenas história. No passado, porém, foi um piano bar.
Gastronomia
A gastronomia de Nova Orleans tem influência afro-americana, norte-americana, francesa e espanhola, e é chamada de cajun e creole. Temperos apimentados fazem parte da tradição, e os frutos do mar dominam o cardápio.
O lagostim pescado nos pântanos da Luisiana (crawfish) é um hit, assim como o Gumbo. Trata-se de um ensopado de frutos do mar (também pode ser de carnes) acompanhado de arroz. É o prato mais tradicional da culinária cajun.
Outro hit de Nola é o Beignet, um pão açucarado surpreendentemente delicioso. Para comer um excelente, há diversas unidades do Café Beignet pelo French Quarter. Outro local famoso é o Cafe du Monde.
Já a culinária creole tem seu maior representante do Commander’s Palace, o restaurante mais tradicional de Nova Orleans – e também o mais renomado. Fundado no século XIX, fica no Garden District.
Traz os tradicionais frutos de mar, mas com a influência do sul dos Estados Unidos que caracterizam a culinária creole. As carnes, portanto, também são carro-chefe.
Para desfrutar a tradicional culinária francesa, com pato e foie gras, uma ótima pedida é o bistrô August, nas imediações da Canal Street. Em Marigny, o Paladar 511 é um local descolado com opção de pizzas e cardápio de carnes. Experimente o wagyu (o melhor que já comi). Mas tome cuidado com a carta de vinhos, especialmente com os estranhos rótulos da Califórnia.
Onde ficar em Nova Orleans
Os hotéis mais luxuosos de Nova Orleans estão nas imediações da Canal Street. Entre eles há o Ritz-Carlton (a partir de US$ 386), o Four Seasons (US$ 320) e o Roosevelt/Waldorf Astoria (US$ 296). Os valores são sempre para o mês de maio de 2023.
Mas há também opções muito charmosas no French Quarter, no estilo arquitetônico francês que marca o bairro, e hospedadas em prédios históricos. Nesse grupo, destaque para o Omni Royal (US$ 200) e o W New Orleans (US$ 212).
Porém, o French Quarter não é muito amigável para quem está fazendo a Rota da Música de carro. Por isso, escolhi o Le Meridien (US$ 130), nas imediações da Canal Street. O hotel tem ótimo custo-benefício, é bem localizado e requintado.
Tem piscina no rooftop, algo que faz a diferença em Nova Orleans, e um bar com ótimos drinks, além de quarto e banheiro amplos. O ponto negativo é o café da manhã com buffet limitado e sem graça. Como é pago, a melhor opção é desfrutar a primeira refeição do dia nos inúmeros restaurantes bacanas próximos à Canal.
O estacionamento, no entanto, é sempre caro – no mínimo US$ 30 por dia -, seja dentro ou fora do French Quarter. Só vai economizar quem quiser ficar longe do centro, o que é uma péssima ideia em Nova Orleans. A cidade, como Nova York, foi feita para percorrer a pé, pois quase tudo o que importa é próximo e as ruas são boas para andar.
Por isso, para quem está fazendo a Rota da Música de carro, fica a dica. Alugue o veículo em Nashville, percorra todo o circuito e, em Nova Orleans, vá às plantações e pântanos das imediações no primeiro dia, usando o automóvel.
Ao fim desse dia, devolva o veículo na locadora. Você economiza nas diárias do carro e do estacionamento. A partir de então, percorra Nola a pé e seja feliz! E, para ser feliz em Nova Orleans, fique pelo menos quatro dias.
Cinema e TV
É sempre legal pegar algumas referências sobre a cidade a ser visitada no cinema e na TV. E não faltam filmes e séries ambientadas em Nova Orleans. “King Creole” (1958) – “Balada Sangrenta” no Brasil – começa com um belo dueto de jazz entre Elvis Presley e Kitty Whit
A música não poderia ter nome mais apropriado: Crawfish. A cena mostra o French Quarter, e fica claro que ele mudou muito pouco, ou nada, dos anos 50 para cá.
“The Originals” (2013 a 2018), a série, é como King Creole toda ambientada em Nova Orleans. Mais especificamente, no Frech Quarter. Bourbon Street, bares e restaurantes típicos da cidade, as igrejas e cemitérios são praticamente parte do elenco. Uma bela forma de explorar Nola antes de conhecê-la.
Na quinta temporada de “True Blood” (2008 a 2014), a maior parte da ação se passa em Nova Orleans. Em um dos episódios, os vampiros circulam pelas ruas e bares do French Quarter. Já “Entrevista com o Vampiro” (1994) mostra Nola ao longo de 200 anos de trajetória de Louis (Brad Pitt), o personagem principal. Do século XVIII ao XX.
Em “Risco Duplo” (1999), Nova Orleans é cenário da parte final do longa. Ali, estão o French Quarter e um hotel localizado em um prédio histórico. Uma das cenas mais emblemáticas e perturbadoras do longa é no Cemitério Lafayette.