O mapa da confeitaria portuguesa (parte I)

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Outro dia surgiu na minha linha do tempo no Facebook um mapa da Itália que localizava regiões por suas massas típicas e não pelas cidades (creio que era uma criação do projeto Taste Atlas). Tinha lá o pesto no lugar de Ligúria, agnolotti em Piemonte, carbonara no Lazio e por aí vai. Fiquei com vontade de fazer parecido e surgiu a ideia do mapa dos doces portugueses.

A confeitaria conventual, como é chamada, é um dos símbolos da cultura portuguesa e é traduzida na prática por uma diversidade incrível de doces, com tamanhos, formatos e, principalmente, nomes dos mais criativos. Em geral, muito açúcar e gema de ovos são os protagonistas das receitas – algumas com mais de quatro séculos de vida.

Aquela abocanhada

“Conventual” porque, oras, muitos dos doces nasceram nas centenas de conventos e mosteiros da catolicíssima Portugal. E gema de ovos como base das receitas por conta do uso das claras como engomador dos hábitos religiosos. Para não desperdiçar as gemas que sobravam, a cozinha foi o destino.

Todos os cantos de Portugal possuem seus doces tradicionais e, acreditem, a lista de variações chega às centenas. Como não seria muito prático pontuar cada uma delas no mapa, eu escolhi opções de regiões variadas. No mapa ao lado, é possível ter uma ideia de quão espalhada por Portugal é a confeitaria conventual. Abaixo eu falo um pouco sobre cada uma dessas delícias (aqui, os primeiros seis doces. Aguardem a Parte II).

Tigelada de Abrantes (Abrantes)

Açúcar, leite, farinha, ovos, raspas de limão e canela. O preparado da junção dos ingredientes batidos vai a tigelas de barro vermelhas pré-aquecidas em altas temperaturas – daí o nome Tigelada. Criada no Convento da Graça, em Abrantes, a receita do doce foi transmitida pelas freiras a uma passadeira que lá trabalhava. No boca a boca a Tigelada se popularizou e é uma das principais iguarias da região de Ribatejo.

Pastel de Nata (Lisboa)

Apesar de ser hoje uma entidade nacional, encontrada em qualquer lugar de Portugal, foi em Lisboa que o Pastel de Nata verdadeiramente nasceu. Na capital o pastel carrega sua origem no nome, o bairro de Belém. Com passado ligado ao Mosteiro dos Jerónimos, a fábrica em Lisboa produz (em receita mais do que secreta), desde 1837, o quitute de massa folhada e creme com gema de ovos e nata.

Ovos Moles de Aveiro (Aveiro)

Um nome de doce não poderia ser mais literal. Ovos, muitos, em gemas misturadas com açúcar formam o creme espesso e mole. A massa de um amarelo forte foi criada nos conventos de Aveiro e ganhou na cidade diversas aplicações – de crepe a licor. Mas a forma mais tradicional de consumir a iguaria é envolta em finas hóstias moldadas em temática marinha (conchas, peixes, búzios, etc).

Clarinha de Fão (Esposende)

A pequena vila de Fão tem pouco mais de 3 mil habitantes, localizada ao Norte de Portugal, no concelho de Esposende. Talvez passasse despercebida pela região não fosse a beleza da praia de Ofir e, principalmente, pela confecção das Clarinhas de Fão. O doce, que só é encontrado em confeitarias de Fão ou cidades vizinhas, se resume a um pastel em formato do rissol português, em massa fina e estaladiça, com recheio cremoso de chila (abóbora).

Pastel de Feijão (Torres Vedras)

Pois é, a criatividade portuguesa vai longe quando o assunto é confeitaria: este é sim um doce feito do nosso conhecido grão. No século 19, em Torres Vedras, município localizado no Distrito de Lisboa, saía das mãos de D. Joaquina Rodrigues a receita para o pastel recheado de amêndoa e feijão branco cozido. O doce foi explorado comercialmente por herdeiros e virou tradição, sendo hoje fabricado por cerca de 30 produtores locais.

Brisa do Lis (Leiria)

Os brasileiros mais desatentos dirão que se trata de um quindim. Diferentemente da nossa iguaria, que leva coco ralado, a Brisa do Lis tem, além de açúcar e ovo (obviamente), amêndoas. A história dá que a Brisa surgiu no convento de Santana. A localização da origem da receita só foi confirmada pelo nome do doce, em referência ao rio Lis, que corta a cidade de Leiria.

Fiquem ligados no blog para acompanhar a Parte II deste mapa da confeitaria conventual portuguesa. Também vale dar uma olhada nas últimas postagens e seguir o Viajante 3.0 pelo Instagram.

Não há nada mais tradicional do que um São João no Porto

A queima dos fogos, o ponto alto do São João no Porto

Uma das datas mais aguardadas do verão português é a celebração dos santos da casa. Como é de se esperar, as duas maiores festas do calendário acontecem nas duas maiores cidades do país. Na virada de 12 para 13 de junho, os lisboetas saem às ruas para homenagear Santo Antônio, que é o favorito na capital, apesar de não ser o padroeiro oficial. No último sábado, dia 23, foi a vez dos portuenses virarem a noite para farrear em nome de São João, que é celebrado no 24.

Parque montado na Rotunda da Boavista

A expectativa para a data aqui no Porto é imensa, o feriado é de longe o momento mais esperado do ano e todos, sejam crianças, jovens ou idosos, têm a sua maneira preferida de comemorar o dia. Com um propósito ~estritamente jornalístico~, passei o dia na rua para ver todas essas “caras” do São João e escrevo aqui no blog algumas linhas sobre a minha experiência.

Apesar de a festa ter data certa, o 23 de junho, a cidade começa a se preparar desde o comecinho do mês. As freguesias tradicionais do Porto levantam palcos para shows, montam barracas de comida e trazem “divertimentos” – dependendo do local, pode ser roda-gigante, carrossel, carrinho de bate-bate (que aqui chama carrinho de choque), etc.

Vendinhas e janelas de casas expõe pequenos vasos com pés de manjerico, planta da família do manjericão que em Portugal é conhecida como Erva dos Namorados. Segundo a tradição, é sinal de compromisso presentear o/a amado/a com a planta no dia de São João. Outro detalhe é a forma de sentir sua fragrância. Sensível, a planta não é muito amiga de narizes enxeridos, por isso deve-se apalpar o manjerico para sentir o perfume impregnado nas mãos.

Na região de Fluvial, tenda vende pão com chouriço feito na hora

Esta é somente uma das diversas tradições da festa. Comer e beber bem é outra. No dia de São João propriamente, as ruas são tomadas pela população local desde as primeiras horas da tarde. Nas festas, além de cerveja e vinhos, vocês encontrará caldo verde, queijos, bifanas (sanduíche com carne de porco), farturas (churros), doces, sorvetes e mais um sem número de iguarias.

As sardinhas, no entanto, têm um papel especial. É possível encontrá-las à venda em tendas nas festas das freguesias, mas o ato de assar o peixe é algo de certa forma familiar. Pequenas grelhas são montadas nas ruas e as pessoas se reúnem à sua volta para comer as suculentas sardinhas, servidas sempre na companhia de pimentões verdes e vermelhos.

As novas cores do Porto para o São João

O processo de comer e beber esse cardápio caprichado é repetido ao longo do dia. Isso porque costuma-se curtir o São João em uma espécie de via sacra. Como a festa não se limita a um local apenas, a população pula de bairro em bairro para aproveitar o dia ao máximo.

Marretadas

Nessas andanças, entra em cena uma importante ferramenta da festa: o martelo de plástico. É meio difícil de conseguir alguém que te explique exatamente a função e a origem da tradição, mas todos têm a peça em mãos para martelar cabeças alheias. Pelo que percebi, a etiqueta do São João libera marretadas naqueles que também possuem martelos em mãos, as marretadas são amigáveis, restritas à cabeça do outro, e são seguidas de um “bom São João”.

A ideia é provocar o colega (ou estranho) de forma bem humorada. As marretas, com seu apito e o eterno “pipipipi” que soa durante toda a noite, são algo até que recente. Antigamente, para importunar o outro, esfregavam a mal-cheirosa flor do alho poró em rostos aleatórios pela multidão. Apesar de menos comum, ainda existem aqueles que empunham porós pelo Porto no São João.

Próximo da meia noite, a concentração fica nas redondezas da Ribeira, margem do Douro na região central da cidade. A população faz a sua parte iluminando o céu com balões de papel, abrindo caminho para algo especial. Além dos shows e todo esse aparato citado acima, é de lá da Ribeira que é disparado o momento mais aguardado do dia: a queima de fogos de artifício.

Não se preocupe se não conseguir se posicionar no horário exato na região (que fica lotada), é possível apreciar o show de diversos pontos da cidade, principalmente ao longo do curso do rio. Os fogos não significam que é hora de voltar para casa. Ao seu fim, a programação nas freguesias segue e os bailaricos não param antes das 4 horas da manhã.

Apesar de parecer uma farra de adultos, é incrível o quão familiar a festa é. Durante todo o momento, e até a hora que voltei pra casa lá pelas 3 horas, bebês e crianças curtiam o São João com a mesma energia das primeiras horas do dia. Para mim foi uma mostra bem clara de que a festa abre espaço para ser comemorada do jeito que você melhor entender. Por isso, não se reprima e tenha um Bom São João!

Festa montada na freguesia de Massarelos, uma das mais tradicionais do Porto

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Verão na Europa: sim ou não?

Praia de Cascais, próxima de Lisboa

Se você é daqueles que busca respostas rápidas: sim, não há momento melhor de se estar na Europa do que no verão. Parece uma questão óbvia, mas são diversos os pontos que devem ser levados em conta. Se você quer saber o porquê disso, fica aqui comigo e leia o texto até o fim.

Estamos oficialmente no verão, o ápice da alta temporada na Europa – por aqui, a alta vai de maio ao final de agosto, enquanto que o verão se limita ao período entre 21 de junho e 23 de setembro. É um momento de cidades cheias, vivas e abertas, com muitas atividades para os públicos local e não-local. Neste post eu vou pontuar alguns dos prós e contras das visitas na época mais quente do ano. Como eu já dei o spoiler no primeiro parágrafo, o resumo da história é favorável para o turista no Velho Continente.

Contras

Para criar um suspense e deixar você na expectativa, vou começar pelos contras. Apesar de serem pontos menos favoráveis, nenhum deles, na minha opinião, é suficientemente ruim a ponto de fazer alguém desistir de vir para cá.

O primeiro deles são as filas. Por mais que você escolha um lugarzinho remoto da Europa, é muito provável que alguém pensou no mesmo e estará lá ao seu lado, dividindo o mesmo espaço. Se o caso são os grandes destinos, as filas e esperas e multidões serão uma certeza. Ir para a viagem consciente disso ajuda um bocado. O alento é que, não importa a cidade em questão, há sempre opções interessantíssimas fora do circuito turístico – como eu destaquei na minha visita a Veneza. Pesquise, pergunte, explore…seja na Europa ou não, as cidades têm muito mais a oferecer do que mostra o cartão postal.

O lotado Mercado Central de Budapeste, na Hungria

Mais gente interessada, mais caro o produto fica. A lei da oferta e da procura entra em ação no Turismo nas altas temporadas e isso será notado em praticamente todas as etapas da viagem, da passagem aérea ao drinque antes do jantar. Há destinos que inflacionam mais do que outros e a pesquisa prévia é mais uma vez essencial para que você consiga contornar os reajustes exagerados.

A hospedagem ganha um parágrafo só para ela por unir os dois itens anteriores. Os preços das diárias, flutuantes ao longo de todo o ano, sobem invariavelmente assim como cresce o número de hóspedes. Isso significa que, por vezes, concessões deverão ser feitas: leia-se pagar mais pelo padrão que você está acostumado; pagar o mesmo mas aceitar algo mais simples; ou pagar bem mais em um nível acima para garantir um lugar no hotel/rede de preferência.

As temperaturas, o próximo item, vão ser levadas em conta tanto para o bem como para o mau. O verão europeu pode ser extremo em algumas partes do continente, principalmente nas proximidades do mediterrâneo. No ano passado, termômetros de regiões de Portugal, Espanha, França, Itália e Croácia passaram dos 40 graus e exigiram que governos emitissem alertas de atenção à população. Viver sob calor intenso não é agradável e turistar, caminhando por horas em céu aberto, não é diferente.

Teatro a céu aberto no Iveagh Gardens, em Dublin

Prós

Se você chegou a esse ponto do texto, leu todo o lado pessimista da história, e não desistiu de viajar, então com certeza os itens abaixo só vão lhe deixar ainda mais certo de que é na Europa que você quer passar seu próximo verão.

Como prometido, o clima volta a ser citado. A não ser que você tenha escolhido passar o mês todo no Reino Unido, o verão é o momento do ano no qual dificilmente chuvas atrapalharão seus planos. Dias ensolarados e abertos são comuns e há grandes chances de que aquele esperado passeio seja feito debaixo de céu azul – “grandes chances” não significa 100% de certeza, ok? O tempo pode virar, vocês sabem como isso funciona.

Os dias na Europa são looongos no verão. Esse é um dos meus fatores favoritos e de fato tem uma influência enorme no planejamento da viagem. Dependendo de onde você está no continente, o sol não desaparece antes das 21h. Em geral são cerca de 14 horas naturalmente iluminadas que dão ao turista a chance de explorar bairros e cidadezinhas por completo. Um ponto extra nesse item é o horário de funcionamento das atrações. Por conta dos dias mais longos, parques, museus e feiras estendem seus expedientes e ajudam a preencher ainda mais o roteiro do dia.

Palácio de Schöbrunn, em Viena, no inverno (esquerda) e verão (direita)

Por último, um ponto que só é melhor notado quando se compara as estações em um mesmo lugar. Assim como em pessoas, o “humor” da cidade também altera conforme sai o frio e chega o calor. No verão europeu, espere por cidades vivas e coloridas, com uma nova roupagem para a estação, cheias de festivais e de atividades – há sempre programação gratuita nas grandes cidades, fique ligado!

De uma forma geral – excluindo destinos de neve, obviamente -, o verão é sim o melhor momento para se visitar a Europa. Ter dias movimentados, cheios de atividades e com tempo agradável, certamente reduzirá os efeitos negativos que os preços e as filas causarão no viajante.

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