blocos afrO, TURISMO E O APAGAMENTO DAS TRADIÇÕES

Bailarina do Malê de Balê fotografia by @vitumourthe_

Olá amigos do Trade , o primeiro Carnaval depois de 2 anos de Pandemia foi um sucesso, hotéis e aeroportos lotados , sem contar que os serviços de Guias de Turismo também foram bem aproveitados , os turistas aproveitaram para ficar mais tempo nas cidades para curtir além do Carnaval , conhecer o destino, se contabilizarmos tudo é só comemoração.
Sou uma cidadã de Salvador , moradora da cidade desde 2005 , nem era apaixonada por Carnaval , achava chato assistir aos desfiles de escolas de samba pela TV, daí surgiu uma TV que colocava o dia inteiro o Carnaval de Salvador onde era uma loucura de gente , vários trios passando um atrás do outro e eu pensando um dia vou estar ali com aquelas pessoas curtindo . Uns 10 anos depois lá estava eu morando em Salvador num mês frio de Agosto aguardando a maior festa democrática do Brasil acontecer , mas antes eu conheci as festas de Largo , as famosas festas que misturam o Sagrado e o Profano , como Santa Barbara ( 04/12) , Lavagem do Bomfim ( 2 semana de Janeiro) , Festa de Yemanjá (02/02) , e daí por diante fui descobrindo Bloco Palhaços do Rio Vermelho , Lavagem de Itapuã , Banho de Mar a Fantasia , Bloco de Hoje a 08 e só aí que o Carnaval surge . Loucura né ? Confesso que essas experiências foram acontecendo ao longo dos meus 17 anos de vivência em Salvador , fui aos poucos conhecendo tudo e tem muito mais que eu ainda não conheço .
Os turistas que vem a Salvador já sabem que encontrarão praias lindas , gastronomia de qualidade com ótimos preços , mas o real foco da maioria dos turistas ( brasileiros e principalmente estrangeiros) é conhecer a história das pessoas , lembrei de Gloria Maria que disse que as viagens dela eram pra conhecer gente , que se ela não fizesse parte do lugar , se não tivesse a experiência de conhecer a fundo as histórias do lugar ela nem iria . E é isso Turismo é feito de gente , e essas pessoas quem vem ao Carnaval querem exatamente isso , os Monumentos são importantes para cartão postal e sinalizar por onde andaram, no entanto conhecer pessoas é o que irá fazer eles voltarem para casa com uma bagagem cultural muito maior e muitas vezes ela pode mudar conceitos e compartilhar estas mudanças com outras pessoas .

Festa de Yemanjá – Rio Vermelho ( arquivo pessoal)

E quanto a população , estas mesmas pessoas que animam o Carnaval dos turistas , e que fazem os turistas vir conhecê-los , como é o Carnaval delas ?
Agora é que são elas , estas pessoas que estão sempre sorrindo e brincando e dando o seu melhor pro turista, são as que tem a menor remuneração durante o Carnaval , na sua grande maioria não curtem a festa pois estão trabalhando arduamente para dar ao visitante a melhor experiência já vivida . Ambulantes são pessoas importantes para o sucesso em vendas das empresas de cerveja que patrocinam o Carnaval , segundo a Associação Brasileira da Indústria de Cerveja (Cervbrasil) é consumido uma média de 80 milhões de litros . E quanto aos Cordeiros , aquelas pessoas que são contratadas para manter a corda e proteger ( separar) os foliões da pipoca ? O valor da diária destas pessoas este ano de 2023 foi de R$65,00 por pessoa incluindo transporte , só pra você ter uma ideia eles caminham vários km acompanhando os trios , e são vários trios , e depois precisam ter forças para caminhar novamente a mesma distância ou mais para conseguirem um ônibus para irem para casa , correndo riscos de violências , assaltos até chegar em suas casas , isso quando vão pra casa , muitos ficam por lá mesmo , por dias . Com os ambulantes não é muito diferente , hoje a Prefeitura de Salvador colocou um apoio aos filhos dos ambulantes onde espaços se tornaram abrigos para as crianças de colo até 17 anos tendo alimentação , diversão , e acompanhamento 24 horas de assistentes sociais e cuidadores , antes disso elas dormiam nas ruas , em barracas e eu já até vi bebês dentro de caixas de Isopor porque os pais não tinham com quem deixar , porque a família toda vai trabalhar no Carnaval , é a garantia de ter um bom lucro , porque depois as festas acabam.

A cor dessa cidade sou Eu ?
Tive a melhor experiência de todas neste Carnaval , saí dois dias em Blocos Afros , um deles o Afoxé Filhos do Congo e o outro Afoxé Filhas de Gandhy para mostrar o empoderamento feminino no Carnaval na contramão do Bloco Filhos de Gandhy que sempre foi 100% masculino.

Desfile do Bloco Afoxé Filhas de Gandhy – Circuito Campo Grande ( arquivo pessoal)
Concentração na Praça Castro Alves – Bloco Afoxé Filhos do Congo (arquivo pessoal)


Salvador tem mais de 80% da População Negra , o Carnaval teve uma virada de chave com o surgimento dos Blocos Afros , segundo Tainara Ferreira “O primeiro bloco afro que surgiu em Salvador, chamava-se Embaixada Africana, em 1885. No ano seguinte, em 1886, surgiu os Pândegos da África, os dois blocos tinham em comum sua criação, feita por negros livres alforriados que faziam do carnaval um espaço de ironia, critica e valorização da cultura de origem africana no Brasil” A partir daí muitos e muitos Blocos Afros surgiram , os mais famosos são Olodum , Ilê Ayê , Apaches , Afoxé Filhos de Gandhy , Muzenza , Timbalada, Cortejo Afro , Bloco da Capoeira , Afoxé Filhos do Congo, Malê de Balê o maior Bloco de Balé do Mundo , e tantos outros importantíssimos. Os Blocos Afros são diretamente responsáveis pelo surgimento do Axé Music , Pagode e até no Rap e foram perdendo seu espaço nas Avenidas , foram sendo colocados em horários onde as ruas estão mais vazias , onde as coberturas de Imprensa já foram embora e com tudo isso vai surgindo um apagamento desta história da população que é a Alegria da Cidade e que sempre contou a história e suas tradições . Enquanto isso suas músicas se tornam famosas em vozes de pessoas não negras e que repercute o Brasil afora . Isso sem falar nas Fantasias que a grande maioria tem Designer , Artista Plástico , Estilistas para que possamos ressignificar as fantasias transformando em roupas para o dia a dia .

Nilzete da Afrotours com o Tecido da Fantasia do Bloco Capoeira criado pelo Artista Plástico Alberto Pita
Lindíssimo tecido da Fantasia do Malê de Balê criado pelo Artista Plástico Ives Eloy


O Turismo deve ser inclusivo e no momento que culturas e tradições se perdem por falta de investimentos , não haverá mais interesse em visitar a região em breve , já que São Paulo , Rio , Belo Horizonte e outras Capitais aprenderam a fazer um belíssimo Carnaval de Rua.

Bloco da Capoeira – Homenagem a Oxum


O Afroturismo vem na contra mão desta história pegar o Verso deste Cartão Postal e colocar na frente , incluir roteiros afrocentrados que possam dialogar com as Tradições Populares , que faça valer o direito de ser a cor dessa cidade , e de poder mostrar que eles são o Ouro Negro , e para isso preciso que todos os esforços sejam feitos para que possamos retomar a essência da história de uma cidade.


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Tânia Neres

Tânia Neres é CEO da TN Estratégias Operacionais de Turismo. Paulista que escolheu a Bahia como lar, a executiva tem mais de 30 anos de experiência no mercado de Turismo em várias áreas (agência de viagens, consolidação, operadora turística e mentoria para novas agências)

2 thoughts on “blocos afrO, TURISMO E O APAGAMENTO DAS TRADIÇÕES

  1. “É muito difícil ser da cultura popular no estado. É lindo no outdoor, mas, na hora da venda, a gente fica excluído. A gente sofre antes, na hora e depois para botar o maracatu na rua. Eu queria que o sistema olhasse para o maracatu como eu vejo, com qualidade”, Marcionilo Oliveira do Maracatu Maracambuco em Olinda. Referindo-se as dificuldades para levar o Maracatu às ruas, a mesma opinião acontece com os maracatus no Ceará.

    1. Senti exatamente de perto a exclusão dos Blocos Afros , e concordo contigo , o que precisamos é traçar de forma urgente o respeito pelas culturas populares antes que eles nos apaguem.

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