A grande maioria do planeta está confinada. Aparentemente a vida de muitas pessoas está se transcorrendo de maneira similar, eu cheguei ingenuamente a achar que confinamento significava na França a mesma coisa que no resto do mundo.
Foi falando com amigos e especialmente amigos brasileiros que descobri o contrário. De fato, bastava refletir um pouco para imaginar que cada pessoa e cada país reagiriam com seus traços culturais e dispositivos governamentais característicos às suas raízes.
Nesta imensidão de seres e opiniões, encontramos muitos pontos em comum, mas também muitas diferenças radicais.
Diferenças entre confinamentoS
Uma delas consiste no sentido propriamente dito da palavra ESSENCIAL.
Na China por exemplo, nada era essencial além da organização governamental autoritarista. Assim, o exército distribuía alimentos aos lares chineses e não houve justificativas para que as pessoas deixassem seus lares durante o confinamento. Em caso de descumprimento a pena era de prisão.
Na França os critérios para sair de sua casa em busca do essencial são basicamente: necessidade de comprar alimentos, ir ao médico, fazer trabalho voluntário, andar com seu animal de companhia ou fazer um pouco de esporte.
As saídas permitidas com essas justificativas são controladas através de uma declaração ou atestado de honra onde consta a múltipla escolha das razões, a hora de saída, seu endereço. Perímetro permitido para a saída 1 quilômetro de distância de seu domicílio; duração máxima 1 hora.
Em caso de descumprimento a pena é de multa com valor inicial de 135 euros, valor este que aumenta gradativamente em caso de repetição do delito até a quarta vez e depois prisão.
Os serviços médicos, a cadeia alimentícia e distribuição de gasolina não se incluem nestas normas, obviamente. A indústria metalúrgica onde trabalha meu cunhado ficou aberta para produzir material hospitalar, mas a construção civil não foi considerada essencial, por exemplo.
Os franceses reagiram como civis em uma sociedade democrática e organizada; a maioria aderiu apesar de certa resistência, no entanto, mediante os policiais que controlam incansavelmente os mais recalcitrantes e a chuva de multas, a sociedade se trancafiou em seus lares. Mesmo assim, mais de 800 000 multas foram emitidas no território desde o dia 17 de março até agora.
Outro fator que colaborou imensamente para o respeito das medidas de confinamento foram os incansáveis pedidos de consideração vindos por parte daqueles que seguiriam prestando os serviços essenciais: médicos e equipes de hospitais (enfermeiras, atendentes, equipes de limpeza), caminhoneiros, lixeiros aproveitaram das redes sociais para passar seu recado: Fique em casa por favor!
Já no Brasil a situação me pareceu bastante diferente. Primeiro devido à guerra entre o governo federal e os governadores de estados. Se aqui reclamamos de falta de coerência na gestão governamental e usamos desse pretexto para burlar aqui e ali o confinamento, no Brasil então...
Aí aqueles que servem a nação prestando os serviços essenciais foram usados como argumento político por aqueles em prol de um “desconfinamento”já. O que me pareceu no mínimo estranho.
Mas polêmicas a parte, o povo Brasileiro é mesmo o herói da nossa nação!
Aqui até a oposição declarou que seria indecente usar da situação para fins políticos, aí nos trópicos as feras estão soltas.
Enquanto isso a noção do essencial depende quase unicamente de cada um. O que dizer de um país que considera a construção civil como atividade essencial em momento de pandemia? Onde nas comunidades desfavorecidas o PCC que se ocupa do bem estar de seus ocupantes?
Já a grande vantagem do Brasil é o senso de ajuda entre as pessoas, o aprendizado contínuo do “se virar” e “dar um jeitinho” protege o país. Criação de cápsulas respiratórias inovadoras, aparecimento de máscaras em profusão, iniciativa. Salve a população brasileira!
Aqui faltam máscaras, falta álcool-gel e segundo os franceses falta também muita coerência nas medidas governamentais.
A grande polêmica do momento na França é: porque voltamos às aulas dia 11 de maio se os bares e restaurantes ficarão fechados? Se as escolas foram as primeiras instituições a fechar, por que serão as primeiras a abrir? Polêmica esta que vem levando a certo afrouxamento por parte dos pais que agora levam os filhos aos parques e ruas da cidade com maior freqüência. Ué? Eles não vão encarar corredores e salas possivelmente contaminadas pela saliva e coriza geral? Porque os parques e as ruas seriam mais perigosos?
Afinal, dois meses fechados dentro de casa fizeram acreditar aos pais de famílias que as medidas de confinamento foram criadas para nos proteger, mas na realidade foram criadas para resguardar o sistema de saúde público abominável que temos e a imagem de nossos ignóbeis governantes. Acho que este é um ponto em comum entre muitos países.
O retorno à vida normal e o “desconfinamento” eminente nos revelam igualmente as motivações que nossos governantes têm em comum.
Pontos em comum
E falando em pontos em comum, em quase todos os países a ficha demorou em cair e os anúncios de uma gripezinha não assustaram a população em um primeiro momento. O número de óbitos e avisos por parte dos médicos foram fundamentais para a compreensão do problema, ao contrário das declarações governamentais que causaram mais confusão que esclarecimentos.
Ainda, apesar das inúmeras diferenças na maneira de como lidar com a questão do Coronavírus e do confinamento pelos governantes e pelos humanos deste mundo afora, outro ponto comum importante parece sobressair:
Através do planeta a grande maioria da humanidade descobriu por si só o sentido da palavra essencial: essencial é ter casa, boa alimentação, amor da família e amigos e saúde.
Mais um ponto comum sobressai entre a França e a China até o momento, tendo em vista a minha reação pessoal e de muitos sindicatos franceses.
Lembro agora as palavras de meu amigo chinês declaradas nos primeiros dias de confinamento:
Você está reclamando de ter que ficar em casa por ordem governamental, mas fique ligada! Após constatar a gravidade desse vírus e os óbitos, quando a ordem for para “desconfinar”e voltar às ruas, quem não vai querer sair de casa é você!
Nota Cronológica :
23 de janeiro: Primeiros casos de Codiv-19 diagnosticados na França continental
13 março: fechamento das escolas
14 março: fechamento de bares e restaurantes
15 março: eleições municipais são mantidas
17 março: início do confinamento
11 maio: data prevista para o fim do confinamento de maneira parcial- retorno ao trabalho e distanciamento social controlado com severidade.
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