A decisão do CONAMA é desastrosa para o turismo

Os profissionais de turismo que acompanham as tendências mundiais e a realidade do setor compreendem a relevância da proximidade da experiência turística com a natureza, a cultura e a valorização da identidade local. Empresas que fazem investimentos em hotéis ou em outros atrativos turísticos primam, em suas políticas corporativas, por preservar ativos locais que farão a diferença do seu negócio. 

O Brasil, que tem imenso potencial turístico e pode ter nessa atividade econômica uma grande fonte de receitas, desenvolvimento e geração de renda, precisa entender o grande ativo que significa o cuidado adequado com o meio ambiente, se quiser transformar esse potencial em realidade.

Mas nesse momento está acontecendo algo muito sério no Brasil, que merece uma manifestação do setor de turismo. Refiro-me à decisão do CONAMA de mudar a resolução de 20 anos que protegia as áreas de restinga e manguezais. A norma especificava parâmetros nacionais para Áreas de Preservação Permanente (APP). São áreas cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Essa decisão, se for mantida, é extremamente grave (foi suspensa pelo STF para análise). Pode levar à destruição irreversível dessa biodiversidade e, também, inviabilizar não só a paisagem e a experiência turística, mas os investimentos. Não vejo fundos de pensão ou bancos colocando seus recursos em projetos que não garantem a convivência entre desenvolvimento econômico e preservação de áreas ambientais. Achei até que esse tema já fosse superado, é um debate muito antigo, uma visão atrasada e demonstra desconhecimento dos rumos que o mundo está tomando.

Tampouco vejo, nas tendências mundiais ou na expectativa dos visitantes o desejo de estar em ambientes que não são preservados, de visitar locais destruídos ou em ter qualquer tipo de experiência que não esteja relacionada à salvaguarda ambiental.

A garantia de que todos os ativos naturais sejam conservados e que convivam de forma harmônica com a criação de opções econômicas sustentáveis é mais necessária ainda quando se trata do turismo. Além de perdermos competitividade por todos os temas relacionados à Amazônia, ao Pantanal e à preservação de espécies no Brasil, também estamos judicializando possíveis investimentos.

Essa resolução também descentraliza as decisões para os estados, o que traria uma pressão mais próxima e direta aos responsáveis pelas decisões sobre as áreas preservadas; e, ainda, uma insegurança jurídica absurda.

Deve ainda ocorrer uma competição muito pouco saudável entre os estados, que serão pressionados a abrir mão de espaços preservados para ganhar a disputa por investimentos que poderiam ir para outro estado. Isso é ruim para o Brasil, é ruim para os estados e é desastroso para o turismo.

É preciso que investidores, empresas turísticas, elaboradores de políticas públicas de turismo façam esse debate e se coloquem de forma aberta, serena, tranquila e baseada em fatos, em estudos, para contribuir numa questão essencial para o futuro do setor e do Brasil. 

Artigo original publicado na Folha de São Paulo em 09/11/2020.

2 lições da pandemia para o turismo

Photo by Joanna Kosinska on Unsplash

A experiência me ensinou que mesmo para as maiores tragédias ou sofrimentos em nossa vida sempre há uma lição a aprender, algum aspecto que podemos melhorar. Nesse momento sem precedentes para a humanidade, e especialmente para a indústria de viagens e turismo, tenho me perguntado: quais os grandes ensinamentos eu posso tirar? Essa reflexão já me despertou dois temas que não são nenhuma novidade, e sim cada vez mais essenciais para a sobrevivência e avanços do nosso setor.

Sobre a persistência

Um primeiro aspecto, ligado às incertezas temporais da pandemia, nos obriga a pensar mais no longo prazo, a entender fases distintas e planejar etapas para o futuro. Falo de planejamento de longo prazo, de continuidade e evolução renovadora em nossas empresas e, sobretudo, nas políticas púbicas do setor. Entendendo a necessidade de pensarmos no agora, em termos que pagar a conta no final do mês, não consigo conceber que nosso país não desenvolva a capacidade de cooperação publico-privada para o desenvolvimento do turismo no longo prazo. Ao assumirmos uma posição de liderança em nosso setor podemos cada vez mais garantir a salvaguarda de avanços e dirigir o setor com confiança.

É certo que aprendemos que planejar e cooperar para melhorar sempre é mais do que uma necessidade, é imperativo para o avanço e sobrevivência no cenário mega competitivo“.

O aprendizado também me remete à necessidade viva e real de pensar e agir o turismo de forma sustentável. Me refiro não somente ao meio ambiente natural, matéria prima do turismo; mas, certamente, aos aspectos de valorização cultural, de sobrevivência econômica equilibrada e de valorização dos aspectos sociais de cada destino. Mais do que uma bandeira, a sustentabilidade em todos os seus âmbitos é a garantia da existência do turismo daqui frente, aliás, de nossa sobrevivência como espécie aqui pelo planeta.

A pandemia é, segundo estudos diversos, um reflexo do desequilíbrio ambiental que vem de desmatamento, de queimadas, de lixo, dos impactos de nossa vida cotidiana que desestabiliza o habitat e contribui para a proliferação de vírus, bactérias e outros seres invisíveis que trazem contágio de animais para seres humanos (exatamente o que estamos vivendo). E isso pode se repetir, possivelmente de formas que não esperamos e que não estamos preparados.

Turismo e sustentabilidade são conceitos e vivências já inseparáveis, como estamos praticando em nossas empresas e destinos? Será que os viajantes irão aceitar paisagens sujas, águas contaminadas, culturas destroçadas e sociedades tão díspares e inconstantes? Quando essa será, de fato, a principal bandeira do turismo brasileiro na prática?

Estamos vivendo nesse planeta como se nós tivéssemos algum outro para ir”. Terry Swearingen, enfermeira e ganhadora do Goldman Environmental Prize em 1997