Como reconstruir o turismo para o futuro

O turismo, setor que depende fundamentalmente da mobilidade das pessoas, foi fortemente impactado pela pandemia de Covid-19, que obrigou a interdição de fronteiras e viu fechada a totalidade dos destinos mundiais. Uma das principais atividades econômicas do mundo, responsável por um em cada dez empregos e gerador de 10,3% do PIB global[1], experimenta uma crise sem precedentes. O cenário brasileiro não diverge do que acontece globalmente.

Mas, justamente pela relevância do setor para a economia, e pelo grande potencial inexplorado do país, é preciso um esforço articulado, público e privado, para garantir a sobrevivência e a recuperação do turismo. 

Trago para o debate quatro pontos que considero os principais desafios para essa reconstrução. 

COMPETITIVIDADE – No ambiente de crise e cenário de recuperação lenta do turismo, o Fórum Econômico Mundial (WEF) aponta aspectos essenciais que nosso país precisa cuidar: ambiente de negócios; infraestrutura; segurança e proteção; capacitação e qualificação de mão de obra; abertura internacional e priorização do turismo nas políticas públicas. Hoje o Brasil ocupa a 32ª posição no ranking de competitividade do turismo do WEF, caímos 5 posições entre 2017 e 2019.

SUSTENTABILIDADE – Só existe atividade econômica do turismo em lugares em que o patrimônio natural e cultural são preservados. A experiência do visitante está cada vez mais ligada a uma relação legítima e sustentável com o destino visitado. No Brasil, transformar esse enorme potencial em atividade econômica que gera renda, empregos e impacta a imagem do país fortemente demanda estratégia, planos e políticas públicas sistemáticas e contínuas.

EMPREGOS – Mesmo diante dos rápidos e profundos avanços tecnológicos, o turismo ainda é uma das atividades que mais geram empregos. Além das ocupações diretas vindas da hotelaria, alimentação, aviação, eventos e todo tipo de serviços, ainda se destacam muitas atividades indiretas na agricultura, manufaturas, provedores de bens e serviços, entre outros. Antes da crise desse ano, aqui no Brasil, os empregos diretos e indiretos do turismo chegavam a quase 7,4 milhões segundo o World Travel & Tourism Council (WTTC)[2].

Ainda segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), podem estar em risco cerca de 120 milhões de empregos diretos no mundo[3]. No Brasil foram cerca de 446 mil postos de trabalho perdidos entre março e julho, segundo a CNC[4]. Ou seja, a recuperação sustentável do setor pode dar uma contribuição inestimável em um país que enfrenta desemprego e desalento recordes.

PROMOÇÃO – Em uma atividade econômica tão significativa, a disputa por mercado (por turistas), é acirrada. Os países em todo o mundo têm investido centenas de milhões de dólares para “vender” seus destinos, construir imagem e sustentá-la, como um ativo econômico prioritário. Estimular os brasileiros a conhecerem seu próprio país num momento de dólar alto e trabalhar um posicionamento de imagem do Brasil no exterior são investimentos essenciais para que as pessoas viajem. 

Recuperar a confiança nas viagens é uma tarefa de toda a indústria do turismo e das lideranças públicas. A EMBRATUR, que por legislação, só irá cuidar de nossa imagem internacional seis meses depois de acabada a pandemia, necessita traçar um plano e posicionamento de mercado, garantindo a volta da presença de produtos turísticos brasileiros nos mercados emissivos internacionais. É preciso lembrar ainda que o nosso país já entrou na corrida global pós-pandemia em desvantagem, com uma queda de 4,1% na chegada de visitantes estrangeiros (2019), enquanto o mundo cresceu 3,6%. 

Se até agora as viagens domésticas já mostram sinais importantes de retorno, os reais avanços só podem se consolidar com a preservação dos nossos bens culturais e naturais; cuidados com nossa imagem e um olhar para esses desafios em forma de medidas planejadas e eficazes.

Artigo original publicado no Bússola Época em 11/11/2020.


[1] https://wttc.org/Research/Economic-Impact

[2] https://wttc.org/Research/Economic-Impact

[3] https://www.unwto.org/tourism-and-covid-19-unprecedented-economic-impacts

[4] https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/09/11/turismo-tem-perda-de-faturamento-de-r-183-bi-na-pandemia-e-446-mil-vagas-a-menos.htm

3 PISTAS do que pode mudar nos destinos pós pandemia

Photo by Eric Tompkins on Unsplash

Ainda na linha do nosso último post sobre 5 temas que podem mudar no turismo, pensei em compartilhar algo mais amplo sobre os destinos turísticos. O que pode ajudar agora a mantê-los na mente do consumidor e quais podem ser as novidades no comportamento do futuro turista que irão exigir um pensar e fazer diferente nos lugares que serão visitados depois da pandemia.

1. Leva vantagem o destino que já possui conteúdo e ferramentas prontas e à disposição do cliente: no momento atual, vemos muitos destinos mostrando seu potencial, seus atrativos, suas experiências e enviando a seguinte mensagem aos potenciais clientes: fique em casa agora, e quando você puder viajar veja o que está lhe esperando aqui. Como as pessoas estão passando mais tempo na internet, não só trabalhando mas usando-a como ferramenta de entretenimento, além de buscar receitas de comidas, aulas de exercícios em casa, visitar museus e fazer treinamentos on-line, também existem pessoas sonhando com sua próxima viagem (mesmo que isso ainda esteja longe de uma data ou um destino mais concreto). Pesquisas mostram que está distante o momento de definir sobre viagens domésticas e muito menos as internacionais. Entendo que levam vantagem agora aqueles destinos que já possuem uma boa estrutura de conteúdo on-line, com sites, redes sociais e ferramentas que disponibilizam tours virtuais (vide os museus). Agora é manter-se na mente do cliente, produzir conteúdo, fortalecer a marca e se preparar para o futuro. Se o seu destino ainda precisa melhorar a comunicação on-line, dá para aproveitar esse momento para se organizar e preparar um super projeto para quando as pessoas buscarem lugares para visitar.

2. Possivelmente, quando as pessoas voltarem a viajar, suas exigências com questões sanitárias, de saúde e segurança serão maximizadas. Aqui trata-se de uma exigência mais ampla do que medidas de higienização em aeroportos, restaurantes, hotéis ou meios de transporte. Vejo o aumento da imposição de um turista em relação à sustentabilidade geral do destino, de seus recursos naturais, do respeito à cultura local, da valorização da experiência autêntica e, sobretudo, de um engajamento cada vez maior entre o visitante e o morador local. O turista poderá desejar cada vez mais ser um local temporário, como sempre falo, um morador temporário. E isso irá demandar novos tipos de relacionamento entre a comunidade local e os visitantes; não serão somente os profissionais de turismo diretamente ligados ao setor os protagonistas das experiências, mas sobretudo os que vivem nos destinos turísticos. Cuidado! É preciso preparar as comunidades para evitar preconceitos, medos e atitudes que possam mostrar receio em relação à permanência de “estranhos” vindos de fora….

3. O turismo será cada vez mais uma relação humanizada em todas as etapas da viagem. Todas as mudanças por que estamos passando, e ainda nem temos como avaliar quais impactos terão no comportamento das pessoas, têm um potencial de uni-las mais, fazê-las protagonistas de sua vida e aumentar a solidariedade e o sentido coletivo da vida em comunidade. Ora, se o turista quer ser um morador temporário, se ele está preocupado com a comunidade que visita, se quer interagir com ela, então sua relação será ainda de mais proximidade. Desde a preparação da viagem, em todas as fases da jornada do viajante sua participação tende a ser mais independente, exigente, comprometida e humanizada. Imagino que as tecnologias terão um papel primordial nesse cenário futuro; se hoje o mundo vive uma aceleração do uso e conhecimento de tecnologias para se adaptar ao isolamento, depois desse período muitas experiências sairão de dentro de casa para encontrar com possibilidades de experiências fora de casa.

Ainda poderíamos falar de como o marketing de destinos será no pós pandemia, ou ainda sobre o papel dos intermediários nos futuros processos de compra das viagens. Muito há que acompanhar, esperar, entender e pensar de forma diferente, de outros ângulos. A mudança ainda é nossa única certeza, então, vamos ver como ela vem, vamos nos adaptar e usar nossos talentos para revolucionar esse setor que tanto pode ajudar o mundo a se recuperar após essa pandemia.

O operador vai ou não vai sobreviver ?

Depois da saída da Thomas Cook do mercado, cresceu o número de análises e indagações sobre o futuro da distribuição via pacotes de turismo por meio de operadores turísticos (TTOOs). As opiniões se dividem entre aqueles que acham que a saída do mercado da histórica Thomas Cook é um marco de uma nova era; já outras acreditam, e mostram, que os operadores ainda são responsáveis por quase metade das vendas em diversos países europeus e podem se reinventar para fazer frente às OTAs e à venda direta. Será que irá acontecer uma convivência paralela entre as duas formas de vendas num futuro breve ?

As novas tecnologias, de fato, têm mudado de forma rápida e drástica a forma de compra no setor de turismo, sobretudo por meio da venda on-line e direta de muitos dos serviços, principalmente bilhetes aéreos e hotéis. Dependendo do país, o comportamento de venda mostra uma queda na venda dos TTOOs. Da mesma forma, as novas formas de economia compartilhada também chegam a traçar uma ligação direta entre provedores de serviços pessoais e já vão além dos mercado de hospedagem ou transporte, chegando no coração da vivência turística que é a experiência. O Airbnb é um exemplo claro de disrupção no setor. Alguns analistas então consideram que essas mudanças são o fim, ou o começo do fim dos pacotes turísticos e da distribuição tradicional.

Já outras estudiosos falam da convivência dos dois modelos, com diferentes comportamentos dependendo do mercado e da forma de compra do consumidor. O fato é que todas as mudanças que ocorrem no mercado em relação à forma de promoção e venda, vêm do consumidor e não das empresas. São os turistas que alteram suas formas de demanda e suas necessidades e acabam forçando os segmentos de produtos e serviços a se adaptar às suas necessidades. Sendo assim, a sobrevivência dos TTOOs está diretamente ligada à sua capacidade de inovação, adaptação e criatividade diante do cenário nebuloso atual.

Olhar e estudar profundamente o mercado global, e em especial os mercados prioritários para a promoção do Brasil no exterior, ou até mesmo o comportamento dos brasileiros, é questão de sobrevivência para aqueles que querem se manter no mercado. Uma abordagem muito interessante que li em diversos artigos fala numa mudança de comportamento de oferta de produtos pelos TTOOs europeus como a TUI, por exemplo, eles não estão vendendo destinos, mas estão vendendo tipos de viagens: para famílias, para amigos, para lua de mel, para descanso, para ecoturismo, dentre outros; e, à partir da escolha do tipo de viagem é que aparecem as opções de destinos que podem responder à essas necessidades.

Essa nova abordagem traz dois aspectos essenciais para entender o mercado. Por um lado uma mudança de comportamento na forma como vendemos nossos destinos, produtos e serviços; por outro, a urgente necessidade de entender os motivos pelos quais os clientes chegaram até nós. Aqui vem a personalização, a criação de uma oferta dirigida às necessidades do cliente, entendendo primeiro o que ele quer fazer em sua viagens e depois, oferecendo aonde ele pode ter esse tipo de experiência desejada. Isso muda completamente a forma como os destinos brasileiros deveriam se promover, a forma de apresentar o Brasil no mercado internacional e até nacional e como as empresas como hotéis ou receptivos precisam se posicionar para mostrar a quem atendem. O foco é no cliente, em suas necessidades, e não naquilo que o produto ou serviço quer vender; uma nova abordagem.

Se não ajudarmos o cliente a identificar suas necessidades, ou oferecermos destinos de forma geral, ou simplesmente um hotel para todos, não vamos aparecer no imenso mundo de ofertas de viagens que existe pelo planeta. As políticas de diferenciação e de vendas por segmentos e necessidades dos turistas são um grande alerta, um sinal vermelho que merece nossa análise para ver se não estamos fazendo mais do mesmo, de forma errada e totalmente fora da maneira como os mercados exigem. Entendo que precisamos ter dois caminhos complementares: a busca do cliente final de forma direta e a busca do cliente por meio dos intermediários; sempre nos adaptando a esse novo desafio de nos diferenciar pelo tipo de experiência e de cliente que podemos atender.

Ao final, interessa o cliente, suas necessidades e a experiência como uma imersão interativa no destino de acordo com o que busca o turista. Você concorda ? Como seu negócio ou destino tem trabalhado a promoção e venda nesse cenário ?

Conhecemos nossos produtos e destinos ?

Quando começamos a fazer o trabalho de relações públicas no mercado internacional, na época da EMBRATUR, conseguimos perceber que a profundidade e qualidade dos conteúdos que tínhamos para falar do Brasil e das experiências que o turista tinha por aqui eram insuficientes.

Levar informações ao turista antes que ele chegue ao destino, ou mesmo quando ele já chegou é um desafio complexo e que exige muito conhecimento sobre como pode ser a visita, mas só que nos mínimos detalhes. O visitante quer descobrir sozinho, experimentar, vivenciar; e para isso ele precisa encontrar informações histórias, geográficas, culturais, curiosidades e detalhes sobre o produto ou serviço que deseja desfrutar. Bem, as ferramentas para isso são muitas, a linguagem, a forma, tudo irá influenciar no resultado da viagem e ainda mais na opinião que o visitante levará adiante em seus comentários.

Mas a pergunta que me faço é: o quanto nós, agentes do turismo, ligados ao mercado ou ao setor público conhecemos nossos destinos e produtos, o quanto estamos nos preparando para disponibilizar informações e serviços para que o turista de fato seja seduzido pelo que estamos “vendendo”. Se realmente conhecemos, aonde estão essas informações? Preparadas em formato e linguagem que atenda o ponto de vista do visitante ? É fácil encontrá-las ? E se ele vem a negócios e eventos? E se ele veio a lazer, como o tratamos com suas necessidades específicas?

Tudo isso, porque não basta ter uma ótima hospedagem, um restaurante delicioso, uma praia deslumbrante, um cultura vibrante. Tudo isso porque ao final precisamos responder: o que nos diferencia ? o que nos torna únicos ? o que nos torna desejados como destino turístico ?