Quem disse que um destino precisa ter um histórico religioso para se tornar um pólo de viagens de fé? É claro que lugares em que profetas, mestres espirituais, médiuns, xamãs ou santos viveram naturalmente atraem fiéis de todo o mundo. Mas tal característica, assim como ausência de relíquias ou milagres, não impede que cidades possam entrar no mercado de jornadas sagradas.
Tal fenômeno tem sido observado com maior frequência no interior de São Paulo e Minas Gerais com grupos de neopentecostais, católicos carismáticos e novaeristas. Águas de Lindóia, por exemplo, tem abrigado cada vez mais encontros de casais de ministérios da Assembleia de Deus. Da mesma maneira Santa Catarina tem recebido grupos de católicos carismáticos para retiros espirituais. Já a Serra da Mantiqueira, em especial São Francisco Xavier, assim como Cunha e o Sul de Minas, são destinos preferidos de esotéricos e praticantes de religiões com forte apelo oriental.
O objetivo é reunir adeptos de uma tradição para práticas religiosas, estudos e fortalecer a rede de contatos. O sociólogo francês Émile Durkheim afirmava em seus estudos sobre religião que uma de suas mais importantes funções em uma comunidade é a garantia ao grupo de um sentimento de pertencimento. Essas viagens, que podem durar um final de semana ou mesmo quatro dias, fortalecem os vínculos entre os membros de um grupo religioso. Observou-se neste feriado de Tiradentes um grande número de grupos evangélicos em hotéis do interior como forma de “proteger” os fiéis do Carnaval. Tal medida tem crescido ano após ano, apontam hoteleiros.
Nesse mesmo espírito, até acampamentos tradicionais têm sido reservados em épocas específicas do ano para encontro de jovens de uma ou outra igreja. Além das atividades esportivas, ensaios com músicas religiosas, estudos em grupo também fazem parte do roteiro. No entanto, se a receita das diárias- que pode chegar em muitos dígitos- cai do céu, é preciso cuidados redobrados para que a operação não se torne um inferno para o gerente geral.
Isso porque rígidos preceitos religiosos são impostos no início da negociação e devem ser cumpridos sem exceção. No caso de grupos evangélicos, toda e qualquer bebida alcóolica é proibida, e retirada, inclusive, de frigobares. Reuniões de jovens exigem forte vigilância, mais do que habitual. Seja por conta de cigarros e bebidas alcóolicas trazidos escondidos nas bagagens até namoricos. Embora tais acampamentos, de certa maneira, estimulem a formação de futuros casais dentro da comunidade religiosa.
Receber certos grupos exige também operação específica nas cozinhas. Onde há grupos muçulmanos e judeus, a carne suína e derivados não passam do portão. Por outro lado, para certos grupos de iogues e novaeristas, nenhuma carne é aceitável, nem derivados. Há horários precisos e inegociáveis para certas atividades, como orações; banimento de canais de TV e até mesmo grandes espaços abertos para rituais, seja fogueiras para cerimônias xamânicas, até piscinas para batismos. Como a operação é minuciosa, hotéis bem sucedidos acabam se tornando prioritários e os fiéis se tornam… fiéis.
O curioso é que amizades são solidificadas nesses encontros e grupos se formam para outros tipos de viagens; uma benção para agentes de viagens, comprovando mais uma vez que o turismo religioso oferece muitas oportunidades, todo o tempo. Para o fiel, é sempre fé na estrada.
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