Em nome de Hórus, Ísis e Osíris

Palavras, palavras. De Dalida a Cássia Eller- passando pelas duplas sertanejas- muita gente já percebeu que certos vocábulos são passageiros; modismos prestes a desaparecer antes de uma mudança de tarifa nos sites de companhias aéreas. Outros conceitos no turismo levam tempo para realmente serem compreendidos e assimilados. Um exemplo é a tal da viagem de experiência. Ora, toda viagem oferece experiência boa ou má. O uso dos adjetivos transformadoras ou inspiradoras faria muito mais sentido.  Entretanto, clichês imperam. Alguns palestrantes vêm, nos últimos anos,  limitando tais viagens apenas como enoturismo. Equívoco grandioso. Viagens esportivas, viagens românticas, viagens espirituais também são turismo de experiências, inspiradoras e muito transformadoras,  repletas de conteúdo, estórias em que os viajantes entram em contato com seu próprio universo interior.  

Nesse cenário, um psicólogo; um sociólogo apaixonado por gastronomia, e um publicitário, interessado por ocultismo, são responsáveis por traduzir com perfeição o que é realmente uma viagem transformadora. Criadores da plataforma CDH,  Bruno Lonaro, Otávio Albuquerque e Leo Lousada, fazem sucesso no YouTube, na 95,7 FM e agora no turismo. A mais recente viagem ao Egito que fizeram -com um grupo de 32 pessoas- foi acompanhada por milhares de pessoas interessadas em muito mais situações que fotos com camelos e pirâmides.

Em um bate papo eles nos contam quais ingredientes fizeram a experiência dar tão certo.

1. O que é o CDH? Ele existe desde quando? Qual a audiência de vocês?  

O Conhecimentos da Humanidade nasceu como um canal de YouTube em 2015 com a ideia de ser um espaço onde a gente pudesse falar sobre temas de história, psicologia, filosofia e autoconhecimento. 

Como os temas são bem diversos, nosso público também é, indo desde jovens adultos até pessoas com muitos anos de estrada na busca pelo saber!

Com o tempo, o projeto se expandiu bastante e fomos para além dos vídeos na internet: fizemos eventos presenciais, produzimos nosso próprio baralho de Tarot, criamos vários cursos digitais, estreamos um programa de rádio e, inclusive, começamos a fazer viagens pelo mundo, levando pessoas para uma viver uma experiência histórica ao vivo. Temos quase mais de meio milhão de seguidores.

2. Desde quando começaram a fazer viagens? 

Nossa primeira viagem foi em 2019, para a Índia, quando levamos 8 pessoas para uma jornada incrível por diversas cidades desse país tão rico em cultura e história. A vivência serviu como um ótimo teste para esse formato onde atuamos como uma espécie de “guias narrativos”, conduzindo a experiência das pessoas. A viagem seguinte, para o Egito, já foi pensada para ser bem maior, desta vez levando 32 pessoas, e deveria ter acontecido no começo de 2020 – no entanto, com a pandemia, nossos planos foram adiados um pouco. Mas felizmente conseguimos ir agora em junho de 2022 e foi incrível!

3. Quais os objetivos dessa viagem ao Egito?

Nossa ideia foi mostrar os incríveis tesouros históricos do Egito, passando, é claro, pelas pirâmides e pela esfinge, mas indo muito além disso, então visitamos inúmeros templos, um oásis gigantesco no meio do deserto de água cristalina, subimos (e descemos!) o belíssimo monte Sinai e até conhecemos a linda cidade litorânea de Sharm el Sheik.

Em meio a tudo isso, criamos uma espécie de jornada pessoal de autoconhecimento para os integrantes do grupo, onde a cada dia eram propostas algumas reflexões inspiradas na história de Ísis, Osíris e Hórus, três divindades egípcias. A ideia era que todos chegassem ao fim da viagem com belas memórias e, melhor ainda, levando para casa uma experiência de vida transformadora!

4. Que experiências espirituais vocês ofereceram aos viajantes?

Acreditamos que a espiritualidade é algo íntimo, pessoal, ou seja, cada um tem uma visão sobre o que é essa conexão ou como encara as experiências. Em nossas viagens, buscamos trabalhar com questões amplas, mas dando as ferramentas para que cada um possa trazê-las para sua individualidade. Usando um deck de Tarot que nós mesmos desenvolvemos, criamos uma jornada de autoconhecimento que é trabalhada entregando a cada dia uma carta diferente aos viajantes e propondo uma reflexão. Assim, trazemos algumas práticas para que as pessoas possam viver sua espiritualidade sem nenhuma imposição de crença. A ideia é que cada um experiencie processos de autoconhecimento, associados ao conteúdo histórico e mitológico que vivemos em cada país. 

5. Qual o perfil do grupo?

Bastante diverso! Uma das melhores partes da nossa viagem foi justamente a convivência com esse grupo, que se integrou de uma forma sensacional. Havia desde alguns pais com suas crianças até alguns integrantes mais velhos que sempre toparam todas as aventuras, fosse para atravessar o deserto e entrar em pirâmides, subir a trilha do Sinai ou mergulhar nas águas do oásis! Foi realmente uma viagem para a família toda.

6. Que outros destinos vocês pretendem trabalhar?

Devemos voltar ao Egito e à Índia em breve, mas temos também diversos outros roteiros que gostaríamos de fazer, como a cidade de Salém na semana do Dia das Bruxas, Peru, Grécia, Inglaterra, Espanha, México etc, sempre com esse viés histórico e mitológico para conhecer a fundo a cultura do local.

7. Além de uma experiência espiritual, que outros temas vocês abordam nas viagens?

Nossa ideia é proporcionar uma experiência transformadora de autoconhecimento, explorando o lado histórico, mitológico e cultural de todos os lugares pelos quais passamos. Mas tudo isso, é claro, sem deixar de curtir bons momentos de pura diversão, passeando pelas cidades, comendo em restaurantes, aproveitando as piscinas dos hotéis, brincando com o grupo e, como não poderia faltar, parando nos melhores lugares para fazer algumas comprinhas de presentes para nós mesmos e os amigos que ficaram em casa!

https://www.youtube.com/c/ConhecimentosdaHumanidade

São Thomé das Letras: só vendo pra crer

Até o século XVIII, a área hoje conhecida por São Thomé das Letras abrigava aldeias indígenas que foram expulsas por bandeirantes. O município com pouco mais de 7 mil habitantes localiza-se no Sul de Minas Gerais, a 346 km de Belo Horizonte e 347 km da cidade de São Paulo e tornou-se referência internacional em turismo esotérico.

A atividade principal da cidade é extrativista, com imponente pedreira. A pouco mais de 1,4 mil metros acima do nível do mar, São Thomé é uma típica cidade serrana edificada sobre um largo depósito mineral de quartzito.

Para quem não sabe, utiliza-se esse mineral ao redor das piscinas. E são as pedras , fartamente utilizadas nas construções da cidade, que fortalecem a imagem de um destino esotérico. Igrejas, ruas, casas e até uma pirâmide foram construídas com esse material. Contudo o turismo têm uma importância irrefutável para a economia.

Embora seu centro histórico seja tombado como Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, não é a história que torna a cidade tão famosa, mas sua aura mística que atrai até 4 mil turistas em um final de semana. Diz a lenda que o fazendeiro João Francisco Junqueira- cujo escravo João Antão recebera uma carta de alforria do santo católico – é o fundador do município . Justifica-se a expressão “das letras”, por vestígios rupestres vermelhos encontrados na gruta onde o escravo liberto se deparou com o santo.

O milagre? Storytelling

Thomé foi o discípulo de Jesus que só acreditava vendo. E só um milagre explica que a pequena cidade se tornou essa referência em turismo espiritual. Não se sabe ao certo como ela se transformou em uma referência para  esse segmento. Apesar da estória de João Antão, não houve nenhuma aparição mariana ou milagre que justificasse esse destino. Fato que ela reúne tudo o que os novaeristas adoram: pedras, grutas, cachoeiras, relatos de OVNIs e mistérios.

Há quem acredite que portais ligam São Thomé a Machu Picchu. No meio esotérico se diz que ela é um dos 7 chakras (ponto de força) do planeta. Uma possível explicação é que São Thomé se tornou um destino turístico após a década de 1960, quando artistas e comunidades alternativas lá chegaram. O artesanato, com forte influência hippie, está presente em todo o comércio local.  De forma análoga, Embu das Artes, em São Paulo, também recebeu esse público nos anos 1970 e 1980 e ainda assim, não se tornou o que é sua versão mineira.

Pousadas recebem praticamente em todos os finais de semana grupos de ufólogos, bruxos, esotéricos para vivências e rituais. Há estadas mais longas e mesmo wiccanos celebram lá seus casamentos. É comum ver pessoas vestidas como figurantes do Senhor dos Anéis, em determinados períodos do ano. Mas a filosofia élfica para por aí. Nada de lutas. Uma coisa é certa: lá as pessoas levam ao pé da letra a expressão paz e amor. Os índices de violência são baixos. As pessoas buscam experiências transformadoras. Querem sair da rotina, do estresse. Embora os jovens sejam maior parte dos turistas, a vida noturna é bem distinta das grandes capitais. Além dos bares, sempre com nomes alternativos, à noite, grupos se reúnem para observar possíveis OVNIs. Detalhe: Varginha, famosa por seu ET, fica a 50 km do município.

Estrela do turismo mineiro

A saber, no ano passado, o Observatório de Turismo de Minas Gerais publicou em seu relatório que o destino mineiro mais procurado no pós-pandemia foi São Thomé das Letras. Em maio de 2021 a cidade havia recuperado o movimento de 2019.

É claro que nem todo mundo que vai a cidade acredita em extraterrestres, elementais da natureza e bruxaria. Muita gente busca o turismo ecológico e o turismo de aventura, também muito fortes na região. As cachoeiras são belíssimas e muito instagramáveis. Poucos são os turistas que não acham divertidas e curiosas as narrativas espirituais. E é aí que mora a magia do posicionamento do destino. Tudo faz parte da experiência da cidade, como almoçar no restaurante O Alquimista. Além disso, não há como fugir de cristais, camisetas com temáticas orientais e incensos para levar como recordação da viagem.

A expressão “eu não creio em bruxas, mas que elas existem, elas existem” faz todo sentido nesta parte do sul de Minas.