Se você já leu “Os Quatro” do prof. Scott Galloway, deve se lembrar das mentiras que as big techs contam. Depois de flertar muito em capturar a jornada completa do viajante online nas reservas de hotéis e passagens aéreas, o Google finalmente entendeu que vender mídia dá muito mais dinheiro que vender viagens, e optou este ano por descontinuar a opção de reservar hotéis e passagens aéreas direto pela plataforma, uma iniciativa que começou lá em 2015.
Em anúncio, o Google informou que:
“We originally offered this functionality to give people a simpler way to buy their tickets and to help our partner airlines and OTAs receive more bookings. However, we’ve found over time that people actually want to book directly on partner websites, and we always strive to meet user preferences whenever possible”
Em uma tradução livre, seria mais ou menos assim: “Nós originalmente oferecemos esta funcionalidade para dar as pessoas uma simples forma de comprar seus tickets e ajudar nossos parceiros de companhias aéreas e OTAs a receber mais reservas. Entretanto, nós descobrimos com o tempo que as pessoas preferem fazer reservas direto nos nossos parceiros, e a gente sempre nos esforçamos a atender as preferências dos nossos usuários quando possível“
A “mentira” desta vez, é que o Google informou que a descontinuidade está atrelada a uma preferência do usuário, quando na verdade, o maior interesse decerto foi econômico, é tipo a Apple que que tirou o carregador do iPhone alegando questões ambientais, ou o Facebook, que por anos pediu para as marcas impulsionarem suas “fan pages” para depois cobrar delas anúncios para impactar seus seguidores.
Entenda…
Em 2020, eu comprei uma passagem aérea dentro dos EUA diretamente pelo Google Flights, toda a jornada de busca, checkout e pagamento aconteceu dentro do Google, e ela foi incrivelmente simples, muito melhor que comprar direto de qualquer site ou OTA, a propósito.
Mas note que nesta jornada o Google intermedia a compra e faz um papel de “agência online”, criando uma concorrência direta com as OTAs ‘parceiras’ que injetam bilhões por ano em anúncios na plataforma, além de assumir todos os riscos inerentes da intermediação.
No caso da passagem aérea, a opção no Google Flights aparece como “Book on Google”, veja a imagem abaixo:
Sabe aquela frase, na corrida do ouro, ganha dinheiro quem vende pás e picaretas?
Então, o Google como “agência” iria capturar muito menos dinheiro na intermediação do que vendendo mídia, para se ter ideia do impacto da receita de mídia das OTAs e das companhias aéreas no Google, 2020 foi o único ano da história, que a linha de receita do Google com anúncios teve queda, justamente pelo impacto da redução de investimentos em mídia das OTAs proveniente da pandemia.
Em geral, Booking e Expedia são os maiores anunciantes do Google, veja:
Estima-se que Booking, Expedia, Airbnb e as companhias aéreas gastam em torno de U$ 10B anualmente com o Google em anúncios.
Vamos lembrar, o modelo de negócios de uma OTA é essencialmente um negócio de arbitragem de mídia, de um lado ele captura comissão de hotéis, locadora de carros e cias aéreas e do outro ele paga um caminhão de dinheiro em marketing, majoritariamente para o Google.
O Airbnb conseguiu quebrar este modelo, apenas 18% da sua receita é alocado em marketing e vendas, enquanto Booking e Expedia gastam em torno de 50%. Já a Despegar gastou 31%, mas este número deve aumentar no próximo trimestre, os argentinos estão realmente correndo atrás para recuperar o share perdido para 123Milhas.
Veja abaixo o share de publicidade de cada OTA no segundo trimestre deste ano:
Mídia é muito melhor que intermediação
Ao trabalhar com a intermediação, intermediando todo o checkout da compra da passagem aérea, o Google ficaria apenas com uma comissão da companhia aérea e seria responsável solidariamente por qualquer coisa que eventualmente acontecesse com o vôo.
O vôo foi cancelado? Caberia ao Google informar para o cliente!
O vôo atrasou? Caberia ao Google infromar para o cliente!
Alteração, remarcação ou cancelamento? Caberia ao cliente solicitar para o Google!
O Google seria exatamente uma agência, com o todo ônus e o bônus deste modelo, inclusive com toda a camada de atendimento necessária.
Nesta linha, o modelo “asset light” de anúncio é infinitamente mais vantajoso, para se ter uma ideia, a palavra chave “passagem aérea” está sendo leiloada a um preço de R$ 3,08, eu especulo que a taxa de conversão de um e-commerce de passagem aérea esteja entre 2% a 5%, então para mais ou menos 2 a 5 vendas, um player que vende passagem online gasta R$ 308,00 com anúncios.
Ainda sobre este ponto, é infinitamente mais barato para as companhias aéreas distribuirem através de canais intermediários como agências de viagens, consolidadoras e operadoras, do que vender direto, pagando o pedágio alto para o Google e Meta (e agora Tik Tok).
Por outro lado, ao vender direto para o consumidor final, companhias aéreas capturam os dados do cliente e conseguem fazer relacionamento com ele (CRM), é um tradeoff, mas pensando com o chapéu do acionista de uma companhia aérea, mesmo sendo mais caro vender direto, no longo prazo a empresa consegue capturar mais valor ao ter os dados do cliente.
Isto justifica todo o esforço das companhias aéreas em vender direto e desprestigiar os canais de distribuição.
o Google saiu mais forte da pandemia
Segundo dados do Skift Report Travel 2022, o Google saiu mais forte da pandemia dentro do segmento de viagens online, em janeiro de 2022 aproximadamente 50% do tráfego de metabuscadores (Kayak, Skyscanner, etc..) era proveniente do Google, em abril deste ano, este número já estava em torno de 62%.
O Google é definitvamente a empresa que mais ganha com todo o turismo online, por mais que haja um esforço de alguns players em diversificar canais de mídia, a Accor por exemplo, desembolsa algumas dezenas de milhões de dólares para patrocinar o PSG, e este ano Expedia e Booking estamparam suas marcas no Super Bowl, o minuto mais caro da propaganda mundial.
O Google tem tecnologia, capacidade, know-how, e dados suficientes para criar a maior e melhor OTA do mundo, conectando tudo em um grande superapp, e transacionando todas as viagens em sua wallet (GooglePay), e ela opta em não fazer isto pois entendeu que é muito mais vantajoso vender apenas mídia.
Divulgação de pacotes e atividadeS
Aumentando sua oferta de mídia no seguimento, o Google lançou em caráter de experimentação nos EUA a opção de ver atrações, experiências e atividades turísticas no destino, integradas diretamente com plataformas de tickets e com o Google Maps, veja, é incrível.
E para “gestores de eventos” é possível carregar as opções de tíckets diretamente no Google Maps.
Muito legal né?
Tem muita coisa supimpa vinda do Google com o objetivo de melhorar a experiência do usuário em encontrar viagens e experiências online.
E para os anunciantes, uma série de novas opções para melhorar a assertividade do anúncio e encontrar o cliente correto.
Por ora, a única certeza que temos é que o Google vai continuar sendo a empresa que vai capturar a maior receita com o turismo online, pelo menos, nos próximos 5 anos!