Afogados em Dados, Famintos por Decisão

A hotelaria, por natureza, vive em movimento. Hoje, o desafio não é mais a falta de informação, mas o excesso dela e a urgência de distinguir o que realmente importa. A abundância de dados não necessariamente significa clareza. O verdadeiro desafio dos Revenue Managers é aprender a distinguir os insights que conduzem a decisões assertivas do ruído, que apenas preenche relatórios e distrai da ação.

Nos últimos anos, a digitalização do setor transformou a maneira como tomamos decisões. A multiplicação de dashboards, KPIs, RMS, BI, reviews e benchmarks trouxe o conhecimento em tempo real. Mas a verdade é que muitos profissionais de RM estão soterrados em dados, e não mais orientados por eles. O resultado é muita apresentação bonitinha para a diretoria e asset managers, e pouca ação de impacto.

O problema não é falta de informação, mas a falta de interpretação estratégica.

Em uma reunião recente conduzida pela HSMAI Americas, Heads de Revenue Management de grandes redes (como Marriott, Hilton, Accor, IHG, Hyatt etc.) foram convidados a responder uma pergunta simples e desafiadora: “Como você diferencia o sinal do ruído?”
A conclusão foi unânime afirmando que sinal é o dado que leva a uma ação. O ruído é tudo o que não muda nada. Em outras palavras, informação não é poder, interpretação é.

A hotelaria adora métricas. RevPAR, ADR, GOPPAR, TRevPAR, NRevPAR, GOP, Channel Mix, Booking Pace, e por aí vai. Todas têm valor, mas nenhuma tem sentido se desconectada de um objetivo claro.

Como apontou David Hamman, Vice-President of Revenue Strategy & Distribution na Aimbridge Hospitality, colunista e mentor da HSMAI Americas, ‘líderes de receita estão sobrecarregados de dados e modismos. A vantagem competitiva não está em ter mais informação, mas em saber o que ignorar’.

O problema é que estamos viciados na complexidade.
Transformamos o RM em um ritual de sofisticação analítica, quando seu propósito original era simples, tomar boas decisões que geram lucro sustentável.

A análise sem direção gera “analysis paralysis”, uma paralisia causada por excesso de dados e medo de errar. É o ponto em que o gestor passa mais tempo validando relatórios do que ajustando tarifas, controlando canais ou analisando comportamento real de compra.
Ou seja, a indústria hoteleira já não sofre apenas por falta de dados, mas por sobra de dados.

O RM moderno precisa mais do que saber operar um RMS. Ele precisa desenvolver alfabetização analítica, que é a capacidade de ler, interpretar e questionar os números que o sistema entrega. A tecnologia deve servir como lente, não como muleta.

Um dos maiores riscos da automação é a falsa sensação de precisão. O RMS pode prever demanda, mas não compreende contexto, feriados, eventos locais, mudanças de comportamento do consumidor, clima político ou econômico.

Um dos participantes da reunião sintetizou de forma brilhante: “Os melhores Revenue Managers são os que conseguem explicar o porquê por trás do número. E isso, nenhuma máquina faz.”

Interpretar é a nova competência crítica. A inteligência artificial acelera, mas a inteligência humana ainda é quem decide.

Entre as recomendações que emergem desses debates, há um ponto comum, clareza de propósito.
Antes de mergulhar em dashboards e relatórios, pergunte:

  • Qual é a pergunta que estamos tentando responder?
  • Que decisão depende dessa análise?
  • Qual é o impacto esperado se eu agir (ou não agir) sobre isso?

Se as respostas não forem claras, o dado é ruído.

Como alerta o artigo da HSMAI: “O excesso de inputs, se não filtrado, pode distorcer a percepção da realidade e levar a decisões erradas. O foco é a ferramenta mais rara, e mais valiosa, de um revenue leader moderno.”

Foco não é reduzir complexidade, mas dar direção à complexidade.

Em resumo, estamos vivendo a era em que ter dados é o mínimo. O que diferencia os melhores é a capacidade de transformar dados em sabedoria, ou seja, uma ação consciente, orientada por contexto, estratégia e intuição refinada.

Não é sobre ‘quantos relatórios você tem’, mas ‘quais decisões você tomou’. No fim das contas, esse talvez seja o novo luxo da hotelaria contemporânea, ter tempo, clareza e coragem para decidir, quando todos os outros ainda estão tentando entender o gráfico.

Se quisermos que a próxima onda de crescimento seja sustentável, precisamos abandonar a ‘paralisia de planilha’ e adotar a ‘agilidade de decisão’.


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As estratégias tradicionais tem entrado em choque com o ritmo e jornada contínua da transformação digital. Como resultado, as empresas apegadas ao planeamento convencional estão sendo ultrapassadas por concorrentes que abraçam a fluidez e o movimento contínuo inerentes à transformação digital. Você já ouviu a frase de Darwin: “Não é o mais forte nem o mais inteligente que sobrevive. É aquele que se adapta melhor às mudanças“, certo?

Mesmo com essa revolução tecnológica acontecendo, algumas das nossas aspirações permanecem as mesmas. Queremos:

  1. Oferecer uma experiência personalizada aos hóspedes.

Achamos que fazemos bem a coleta e integração dos dados. E claro que isso ajuda a otimizar a tomada de decisão e aumenta a confiança nas recomendações. No entanto, o gerenciamento de dados é difícil e demorado. E parte do problema é pensar que os dados têm de ser perfeitos para começarmos.

Outro ponto é que ficamos tão focados nos dados (quase de forma míope) que perdemos de vista o objetivo real: Devemos oferecer um produto que nossos hóspedes queiram comprar. As pessoas não respondem a uma oferta porque você acertou o nome e os detalhes da última estadia. Eles respondem à oferta porque é algo que desejam. É relevante para eles. Eles respondem porque você tornou mais fácil para eles encontrarem e comprarem o que procuravam. É importante observar que você pode ser relevante com muito pouca informação.

Como podemos acertar? Kelly McGuire, PHD, Board Member da HSMAI Americas e ex VP de RM da MGM Resorts, afirma que isso exigirá uma mudança de mentalidade mais do que qualquer outra coisa. Não pare de coletar, limpar e analisar seus dados, mas mude um pouco sua perspectiva das táticas dos dados detalhados para a estratégia de se tornar mais relevante e repercutir em seu cliente. O feedback dos hóspedes pode ser extremamente útil, se você realmente conseguir explorá-lo para descobrir o que eles estão falando, e não o que você perguntou ou queria ouvir.

2. Aproveitar melhor as análises da Gestão de Receitas

Muitas empresas hoteleiras investiram significativamente em soluções analíticas de preços para gerar receitas superiores. O sistema de gerenciamento de receita (RMS) pretende ser uma ferramenta de apoio à decisão para seus gerentes de receita. RMS não define estratégia, apoia a estratégia. Seus Revenue Managers definem a estratégia. Eles estão perdendo tempo com substituições e desperdiçando o tempo do gerente geral e/ou do proprietário culpando o sistema quando as pessoas questionam as recomendações. Quem se importa com o que o sistema diz? É a sua estratégia, você precisa dominá-la!

Como fazemos isso direito? Você precisa deixar o RMS fazer o seu trabalho. Isso significa garantir que a solução reflita com precisão as condições do mercado (ou seja, a previsão esteja correta) e esteja configurada corretamente (pisos e tetos, LOS MIN/MAX, etc.). Em seguida, deixe o sistema gerenciar as datas rotineiras no dia a dia, liberando os RMs para gerenciar exceções.

Isto exigirá investimento contínuo em treinamento no sistema. Suas equipes precisam entender como ele “pensa” e manter-se atualizadas sobre os mais recentes procedimentos operacionais padrão e os mais recentes aprimoramentos. Também requer gerenciamento de mudanças. Os RMs estão acostumados com preços. Com um sistema, eles não fazem mais isso. Em vez disso, tornam-se estrategistas de mercado. O seu objetivo é identificar e explorar oportunidades de mercado e, ao mesmo tempo, mitigar os riscos de mercado.

3. Aproveitar as vantagens da Inteligência Artificial

À medida que a IA explode, executivos de todos os setores estão tentando descobrir o que fazer com ela. As opções são praticamente ilimitadas, mas andamos por aí com um martelo (AI) em busca de pregos (problemas no negócio). Deveria ser o contrário. Claro que isto é totalmente natural, dado o enorme potencial desta tecnologia. Temos feito isso com cada novo recurso que surge há décadas.

Como fazer isso direito? Adicionar IA ao seu kit de ferramentas, desenvolvendo prontidão organizacional e capacidade técnica e, em seguida, retirá-la quando encontrar um problema que precise dela.

Você também precisará educar-se continuamente sobre o que é e como usá-la para não perder uma oportunidade. No entanto, se você iniciar esse treinamento sem uma ideia sólida do que sua organização está tentando realizar, você será facilmente distraído por um aplicativo brilhante que, no final, pode não ter impacto suficiente. Faça um inventário de seus objetivos, dos problemas de seu negócio e, o mais importante, do impacto projetado de resolvê-los. As aplicações de AI mais bem-sucedidas ocorrem quando a empresa tem um problema claro e uma meta bem definida. Em resumo, você precisa estar na posição de direcionar a tecnologia e não ser dirigido por ela.

Artificial Intelligence In Hospitality Industry: AI For Hotels | HiRUM

A definição de transformação digital evoluiu significativamente ao longo do tempo. Inicialmente, tratava-se da transição do analógico para o digital, simplesmente digitalizando processos e serviços existentes. Dr. Breffni Noone, professor de Revenue Strategies na Pennsylvania State University e colaborador da HSMAI Americas, elabora mais o tema e entende que, à medida que a tecnologia avançou, o foco mudou para a otimização dos processos digitais, a fim de aumentar a eficiência e reduzir custos. Em 2024, a transformação digital é entendida como um processo abrangente e contínuo que envolve não apenas a adoção de tecnologias digitais, mas um repensar fundamental de como uma organização opera e agrega valor’. Trata-se de construir uma vantagem competitiva através da implementação contínua de tecnologia em escala para melhorar a experiência do hóspede e reduzir custos.

É uma jornada de longo prazo que requer uma mudança cultural e um compromisso com a melhoria contínua e a inovação.

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