Férias Exóticas na França

Então tínhamos feito uma reserva para nossas férias em um campo nudista sem querer! E agora?

Após várias tentativas de reembolso infrutíferas e discussões amigáveis com o proprietário do chalé, após havermos sido reconfortados com a política de tolerância e uma reunião familiar para decidirmos encarar ou não a nova aventura, foi decidido que partiríamos em família para a terra dos Cus Nus, lá onde seríamos a exceção à regra e chamados de Cus Brancos, segundo a terminologia local.

Na terra dos Cus Nus

Dia 1: EuRONAT familiarização!

Chegada à tarde e instalação em confortável chalé agradavelmente localizado em plena floresta de pinhos. Check-in seguido de passeio em bicicleta para ver o magnifico pôr do sol na praia! 8 minutos de trajeto.

Encontro furtivo com ciclistas desnudos e praia deserta. Para os mais destemidos, como meu filho Gabriel, banho de mar (frio) com calção de banho em caráter opcional.

Noite: descoberta do “quadrado”.

Com a mesma simplicidade de uma praça quadrada como aquelas construídas por jesuítas no Brasil, encontramos no centro dos 300 hectares de florestas e chalés, os mais variados comércios, bares e restaurantes. Nada de igreja, é claro! Correio, banco, cabeleireira, supermercado…

Durante o dia o quadrado fica quase deserto, enquanto os visitantes estão na praia

Durantes as “soirées”, período noturno situado aproximadamente entre 18h e 24h , em torno de 60% da população estava vestida para encarar os 20°. Os demais homens cobriam o tórax e deixavam as partes de baixo ao ar livre, algumas mulheres faziam o contrário.  Até aí, tudo bem! Ainda não seríamos desmascarados.

A noite o local fica animado e os estacionamentos para bicicletas ficam cheios

Dia 2: Partiu Praia!!

Será necessário dizer que todos estavam nus e eu e minha família vestidos? Um desastre que ignoramos quase alegremente. Estava sol e a praia estava linda, não queríamos esquentar nossas cabeças. Porém, não pude deixar de notar que éramos olhados como elefantes brancos.

Imagine você nu em uma praia onde todos estão vestidos. Pois é, a situação era inversa, mas com o resultado igual.

A noite voltávamos a nos tornar incógnitos, misturando-nos aos 60% vestidos da “tchurma”.

Dia 3: Esforços de integração

Poderíamos ter ido a outras praias vizinhas, mas a verdade é que aquela praia quase deserta estava ótima. Mas o que fazer para evitar choque “cultural”?

Em um esforço de integração, obtive a autorização de meu filho para fazer topless na praia. Passamos a ser menos encarados por olhares duvidosos. Os nudistas entendem que nem todo adolescente quer se despir, assim meu filho de 14 anos não era visado e eu… eu estava fazendo o esforço. Quanto ao maridão, discreto em suas sonecas sob o para sol, parecia não incomodar muito os demais.

À noite, no “quadrado” a balada seguia com a música ao vivo e todos pareciam descontraídos. O frescor noturno se acentuou forçando mais pessoas a colocar suas roupas.

Os nudistas mais relutantes, sobretudo homens, mantiveram apesar dos 16° Celsius casacos ou blusas de lã em cima e nada embaixo. No entanto, um fato me chamou a atenção: Muitas daquelas pessoas, uma vez vestidas ou semi-vestidas, ganhavam ares sérios, conservadores, como se fizessem parte da “Tradição, Família e Propriedade”. Estranho!

Dia 4: A vida lá fora

Optamos por um passeio de bicicleta no exterior do “camping”. Acredito que precisávamos de um retorno a vida lá fora.

Montalivet – situada a 6 km em bicicleta de Euronat, acolhe franceses, ingleses e norte-europeus em suas praias

No vilarejo Montalivet há 6 quilômetros, muitos surfistas, muitos ingleses com cabelos tingidos de azul ou roxo, muitos corpos tatuados, casais LGBT, famílias francesas e estrangeiras curtiam o verão na praia ou nos cafés animados.   

Soulac-sur-Mer a 14 km de Euronat
Produtos regionais do Medoc no Mercado Municipal de Soulac-sur-Mer

Dia 5: “TIRANDO” a casaca

Após poucas horas de praia, os meus companheiros de viagem resolveram ficar sob a sombra e beber a água fresca de nosso chalé.

Cansada dos olhares enigmáticos, sem a presença de meu filho, aproveitei e me despi também.

Tornei-me invisível e feliz, embora um pouco preocupada em não torrar as partes até então sempre cobertas pelo biquíni.
O descanso, enfim! Ilustração Thomas Penin

Descobri a sensação de volta a infância, onde nada é errado e quando as formas de nossos corpos não têm a mínima importância.

Já em nosso chalé, aconselhei meu filho a tentar e provar da sensação de nudez. Afinal, talvez ele não tenha tão cedo a mesma oportunidade. Timidamente começou a se secar após o banho na varanda, à luz do sol peneirada pelas árvores. Abriu os braços e saudou a natureza, integrando-se ao cenário.

De repente um alce passou ali nossa frente, majestoso e tranquilo. Seria essa comunhão com a natureza resultado do naturismo? Hehehe

Dia 6: Aproveitando da infraestrutura

Até então havia me sentido um pouco à parte, mas a experiência do dia anterior abriu portas. Já que estive na praia desnuda, porque não aproveitar também das 4 piscinas aquecidas? Condição Sine Qua Non:  Tirar a roupa! E porque não?  

300 hectares de floresta, piscinas aquecidas, Spa, pistas de bicicletas a perder de vista... De fato, os campings de Culs Blancs não desfrutam de tantas comodidades.

Agora que me acostumei, me sinto mais à vontade. Estou pronta para os demais dias sem que tudo isso me pareça demasiado inusitado.

Ainda assim, alguns sentimentos ou fatos estranhos chamaram minha atenção, como por exemplo:

  • Num campo de nudistas você fica sem graça em pendurar suas calcinhas no varal.
Há hábitos mais difíceis que outros de se mudar.
Ilustração de Thomas Penin
  • Ou ainda colocar vestido transparente com calcinha aparente embaixo. Você pensa que está sendo muito conservadora. Mais uma vez preocupada com nossa inserção, tentei ficar sem a peça íntima e o tal vestido transparente. Ué, vamos ver né? Mas não, 5 minutos e troquei de vestido, desta vez, sem transparência e com minha incomoda calcinha.

  • Já você logo aprende a se enxugar ou ainda buscar qualquer coisa no varal naturalmente como veio ao mundo: despida. Assim como se trocar com todas as janelas abertas sem nenhuma preocupação (a não ser que meu filho me visse, única condição colocada pelo próprio menino)

E sobretudo, agora que termino esse relato, para dissipar qualquer dúvida quanto a seriedade das pessoas que ali estavam é necessário destacar que essas pessoas aparentemente excêntricas fazem coisas naturais que muita gente que se acha normal deveria fazer e não faz, como por exemplo deixar banheiros impecáveis após suas passagens e usar o rodo à disposição nas duchas de praia para recolher areia e resíduos, deixando o espaço limpo como na primeira utilização do dia.

Nenhum espaço comum tinha um só resíduo fora do lugar. Na praia a vendedora de sorvetes já fica com a embalagem do dito sorvete. O consumidor só tem que se preocupar em levar o palito pra casa, e leva, é claro!

Na hora da partida

Igreja Notre Dame de la Fin-des-Terres em Soulac-sur-Mer

E assim se passaram doze dias, lindos dias, entre passeios de bicicleta, descobertas, praia e floresta.

Há 100 km de Bordeaux, na Euronat, vivemos a experiência de viagem mais exótica de nossas vidas.

  • Você já viu um homem pelado, carregando nas palmas das mãos melões embrulhados em sacos de papel?

Já quase prontos para partir, no último dia da estada, cansado do calção cheio de areia e caindo com a força das ondas meu filho entrou na dança e tirou a roupa para um banho de mar.

Estaríamos iniciando novas práticas? Teríamos passado de Culs Blancs à Culs Nus? Não creio, no entanto, estamos os três de acordo sobre voltar um dia desses.

EURONAT – Centre naturiste

33590 Grayan-l’Hôpital

Tél. : (33) 05 56 09 33 33 – Fax : (33) 05 56 09 30 27 – E-mail: info@euronat.fr

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Silvia Helena

Após breves passagens pela Faculdade Metodista de São Bernardo e Belas Artes de São Paulo, aos 18 anos fui estudar no Canadá, onde vivi durante 23 anos. Lá me formei em História da Arte pela Universidade de Montréal, estudei turismo no Collège Lasalle de Montréal e no Institut de Tourisme et Hôtellerie du Québec. Comecei minha carreira na área trabalhando em Cuba. Durante os anos vividos no Canadá, entre outras coisas, fui guia de circuitos pela costa leste e abri minha primeira agência de receptivo para brasileiros. Há 18 anos um vento forte bateu nas velas da minha vida me conduzindo até França. Atualmente escrevo de Paris, onde vivo e trabalho dirigindo a empresa de receptivo, LA BELLE VIE.

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