Paris e a França em tempos de CODIV-19

Hesitei um pouco em escrever sobre a situação na França e o coronavirus ou Codiv-19.

Não que o assunto seja sem interesse, em muitos jornais do planeta o Codiv-19 é manchete. As pessoas estão realmente preocupadas.

No entanto, o medo alavancado pelo excesso de informação não mudará os fatos, tais como devem ser, muito pelo contrário.

Atenção! As informações, sempre parciais, nos levam a completar o cenário com nossos receios e temores. O que eu quero dizer com isso? Estou tentando minimizar a situação? Veja bem:

Você sabia que a gripe estival comum mata mais de 60 000 pessoas na Europa por ano! Não sabia, né? Ninguém sabe. Por essa razão nunca ninguém se preocupou com isso antes de vir à Europa.*

Neste caso, o vírus do Codiv-19 tem novas características, precisa ser estudado e controlado. Porém, é importante lembrar que essa não é a primeira vez que isso acontece. Não, não vivemos mais na Idade Média, isso não é a peste negra.  Não precisamos ir tão longe.

Você lembra do Sars? E do H1N1? Quem ficou sabendo do Mers? Sim, pessoas morreram devido a essas doenças. Pois é, pessoas morrem todos os dias pelas mais variadas razões: homicídios, acidentes de carro, paradas cardíacas.Ver nota

Imagino que se as mortes por paradas cardíacas estivessem sendo apresentadas pela mídia com tanta ênfase, talvez já estivéssemos enfrentando filas quilométricas em frente aos gabinetes de cardiologistas**, ou ainda se as mortes por acidentes de automóveis fossem contabilizadas em um site em tempo real estaríamos todos andando a pé para nos deslocar***. Ver nota

A situação referente ao número de enfermos e curados do Codiv-19 muda todo dia e há muito mais pessoas curadas do que mortas. Paralelamente a medicina está trabalhando a todo vapor, médicos, laboratórios farmacêuticos, pesquisadores estão empenhados em encontrar a solução.

O Instituto Pasteur da França conseguiu rapidamente identificar e efetuar a cultura celular do vírus, etapa capital para a pesquisa e encontra da cura. Um amigo meu que vive em Shangai e esteve várias semanas em isolamento domiciliar me informou que a China encontrou um remédio eficaz, alguns sites franceses anunciaram com certa reserva, pois maiores testes são necessários. Pouco se fala destes avanços.

Não me entenda mal, a informação é necessária, mas a dramatização talvez não seja. Como em um jogo de futebol ou episódio de Dragon Ball a situação pode mudar a qualquer momento.

Tendo isso dito, vale a pena destacar o excelente trabalho realizado pelo Ministério da Saúde e pelo próprio povo francês.

  • Assim que a epidemia começou no exterior foi criado um número de triagem para quem tivesse dúvidas quanto ao seu estado de saúde ligado aos sintomas da doença.
  • Pessoas foram informadas que em caso de suspeita, não fossem aos hospitais ou chamassem o médico em suas casas ( temos esse serviço de médico domiciliar) e sim esse número. Tem gente ligando até quando recebe pacote de encomenda vinda da China.  
  • Uma vez detectado a suspeita via telefone, uma ambulância vem buscar o paciente em casa com enfermeiros aparentemente preparados para ir à lua e te levam para o isolamento.
  • A França continental tem 38 estados e em pouco tempo contava com 38 estruturas hospitalares adaptadas para receber eventuais pacientes. Esse número já foi aumentado para 70 desde então.
  • Todos os expatriados franceses que desejaram voltar da China foram transportados por aviões governamentais e isolados por duas semanas em diferentes estruturas hoteleiras antes de integrar o mundo dos saudáveis.
  • Uma turista de origem chinesa passou mal em um comissariado de polícia, todos ficaram em observação dentro mesmo desse comissariado até provarem que ela não estava contaminada.
  • E agora que a Itália também apresenta um quadro de epidemia, há quem tenha voltado de lá após as férias escolares e se colocado em isolamento durante 15 dias por conta própria.  Todos os pais receberam um comunicado via SMS avisando que em caso de ida a qualquer área de risco durante as férias, seus filhos deveriam se ausentar pelo mesmo período. Os empregadores também autorizam sistematicamente o trabalho a partir do domicilio em caso de dúvidas.

Com exceção das pessoas diretamente implicadas e o corpo médico, o resto da população está vivendo normalmente.

As medidas para evitar o contágio do Codiv-19 são exatamente as mesmas medidas que para evitar contágio de qualquer doença viral.

  • Pessoas gripadas devem cobrir a boca e tossir nos cotovelos e não usar as mãos. Pessoas sãs devem lavar as mãos com frequência e se colocar ao menos um metro de distância de pessoas que apresentam sintomas de gripe.  Entrar em pânico agora não vai ajudar ninguém.

E você? O que diz ao seu cliente? Eu sugeriria a mesma coisa que fiz durante minhas recentes férias em um cruzeiro MSC.

  • Lave suas mãos com frequência, o telefone celular também deve ser desinfetado, tenha gel consigo e não tenha medo de usar quando não puder lavar as mãos, obviamente se distancie de pessoas que possam aparentar qualquer doença infecciosa. Ou seja, tenha as mesmas atitudes que deveria ter a todo momento de sua vida.

E lembre-se do que dizia Horace, filósofo grego da antiguidade: Carpe Diem, quam minimum credula postero. Expressão que pode ser traduzida por “Viva bem presente, sem temer o dia de amanhã”.  

Nota importante
Hora de relativizar 

*A taxa de mortalidade anual no mundo por problemas respiratórios associados à gripe comum varia de 0,1 a 6,4 por 100.000 pessoas com menos de 65 anos, de 2,9 a 44,0 por 100.000 pessoas de 65 a 74 anos e de 17,9 a 223,5 por 100.000 pessoas com mais de 75 anos.

**Doenças cardiovasculares são um conjunto de distúrbios que afetam o coração e os vasos sanguíneos. Esta categoria de doenças inclui síndrome coronariana aguda, insuficiência cardíaca e doença da válvula. Os mais conhecidos são certamente infarto do miocárdio (causado por doença cardíaca isquêmica) e derrame. As duas últimas são as principais causas de morte no mundo, causando cerca de nove e seis milhões de mortes por ano.

***De acordo com a OMS, acidentes de trânsito em todo o mundo matam cerca de 1,3 milhão de pessoas por ano e ferem de 25 a 50 milhões de pessoas. É também a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e a principal causa de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). A maioria dos acidentes de trânsito pode ser classificada como acidentes evitáveis e mortes evitáveis.

****O número de homicídios registrados no Brasil registrado pela ONG, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2011 e 2015, foi de 278.839. Paralelamente a este relatório, de acordo com estatísticas do Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR), a guerra que se alastrou naquele país matou 256.124 pessoas no mesmo período. Como resultado, as mortes no Brasil nos últimos quatro anos resultaram em mais mortes do que a guerra na Síria. (dados 2016)

Reforma da Previdência na França: o braço de ferro continua

O braço de ferro entre o governo Macron e o povo francês continua.

Essa semana será quinta-feira, dia 9, o dia de greve geral. Dia 11 também haverá manifestações. O transporte terrestre e ferroviário funcionam parcialmente e outras ações, como bloqueio de refinarias ou dia de paralização na Air-France ocorrem aqui e ali.

Sistema de previdência francês, um dos melhores e mais complexos do mundo

Apesar do desconforto que esta greve vem causando para muitos franceses, ela ainda tem 61% de apoio junto à população.  

O sistema de previdência e aposentadoria francês é um dos melhores e mais complexos do mundo e para convencer o povo de mudá-lo o governo Macron parece não encontrar argumentos suficientes.

Só para você ter uma ideia: O sistema de previdência atual leva em consideração especificidades de determinadas categorias, assim uma bailarina da Ópera Nacional tem direito a sua aposentadoria aos 42 anos. Afinal, quais as chances desta profissional seguir numa carreira de bailarina após essa idade? A reforma extingue esse direito, por exemplo.

A reforma equipara a idade teto para o recebimento do valor da aposentadoria integral para todas as categorias de trabalhadores aos 67 anos. E mesmo se a idade teto para o acesso e recebimento do valor parcial da aposentadoria continua a ser 62 anos, uma “idade pivô de 64 anos” foi criada para “justificar” que o valor da pensão de quem opta pela aposentadoria aos 62 anos será inferior daqueles que o fazem aos 64. Entendeu?

Vale lembrar que para alcance da aposentadoria integral, além de ter 67 anos, um cidadão necessita ter pagado suas cotizações salarias durante 43 anos.

E olha que essa não é a primeira vez a que Previdência sofre mudanças. Como vemos no quadro abaixo mostrando os parâmetros atuais, para quem nasceu antes de 1951 a idade mínima para a partida é 60 anos. Mas para quem nasceu em 1955 a idade mínima passa para 62 anos.

O tempo de cotização ou de trabalho para o acesso a aposentadoria integral também difere segundo o ano de nascimento de 1950 até 1973. Para quem nasceu em 1950, 40 anos e dois trimestres de cotização são necessários para a aposentadoria, a partir dai o tempo de serviço aumentou de maneira escalonada durante 23 anos para chegar no tempo de serviço atual.  

Medidas pouco convincentes

As medidas adotadas nesta reforma serão aplicadas na sua totalidade para a geração nascida a partir de 2004, anunciou tardiamente o governo numa tentativa mal sucedida de diluir o movimento.

Até mesmo quando Macron abriu mão de sua aposentadoria de presidente da república não convenceu a população desconfiada.

Perguntas simples

O povo não quer mais abrir mão de seus direitos e enfrenta a reforma da previdência francesa porque quer respostas a perguntas simples.

E tudo que o povo francês ouve é que não há dinheiro, que esse sistema de previdência entrará em colapso.

  • Contudo, os franceses se perguntam qual o sentido em aumentar o número de anos de trabalho das pessoas num país onde a taxa de desemprego é de 8,5%. Se já não há empregos suficientes para todos, qual o sentido em obrigar os mais velhos a trabalhar? E os jovens desempregados? Quando entrarão no mercado de trabalho?
  • Além disso, qual a empregabilidade de uma pessoa acima dos 60 anos? Velhas demais, caras demais…
  • E para aqueles que ainda bradam a alta esperança de vida da população para defender a reforma: Quem realmente acredita que somente porque vivemos mais teremos saúde suficiente para trabalhar e ofertar ao mercado de trabalho a mesma produtividade de um jovem concorrente?  E será que um operário ou agricultor tem a mesma esperança de vida que um deputado? E se o trabalhador braçal estiver vivo, terá após 43 anos de trabalho a mesma condição física que um político de sucesso aos 67 anos de vida?  Terão as caixas de supermercado a mesma forma que Suzana Vieira?
  • E se tivéssemos tempo para desfrutar um pouco da vida antes de ficarmos senis ou inválidos?
  • Porque a classe política, militares e policiais não serão afetados pela reforma?

E, sobretudo, o francês não só questiona o bom fundamento da reforma da previdência, mas o francês está também indignado.

Então, uma minoria eleita que se sustenta com dinheiro público (ou seja, dinheiro gerado com meu trabalho), que desfruta de salários e benefícios milionários, aposentadorias vitalícias e cumulativas após poucos anos de trabalho decidiu que eu e a maioria da população vamos trabalhar mais e ficar mais pobres?

Essa é a solução que os indivíduos eleitos e pagos por mim (cidadão francês), pessoas que são teoricamente a elite intelectual do país, ocupantes de cargos públicos dentre os mais bem pagos do mundo, encontraram para resolver o problema da previdência?

No fundo de si o francês está dizendo embravecido ao governo Macron: –Manu, fala sério?! Não vem com essa pra cima de moi!

Greve geral. E agora?

Dia cinco de dezembro é dia de greve geral na França.

A lista de reinvindicações é longa, tendo a insatisfação com reforma da previdência em seu topo.

A lista dos grevistas é tão longa quanto é extensa a de reinvindicações: inúmeros sindicatos, diversas categorias, sobretudo servidores públicos.

Jovens, aposentados, bombeiros, profissionais da área da saúde, dos transportes, professores, agricultores, todo mundo parece insatisfeito com algo, seja desemprego, falta de recursos, cortes de subsídios, repressão social e outras reformas governamentais de todos os gêneros. 

Porém, dentre os aderentes à onda de movimentos sociais que se revezam em pontos estratégicos da cidade quotidianamente, faltavam os pesos pesados desta luta.

Quando o transporte público resolve PARAR

Os transportes param dia 5 e ameaçam seguir com serviços afetados nos dias a seguir, isso tanto a RATP , quanto o RER e a SNCF, Thalis e TER. Isso significa serviços municipais de metrô, trens intermunicipais de proximidade e longas distâncias nacionais e internacionais estarão fora de serviço entre os dias 5 e 9 de dezembro. De fato, em torno de 10% do serviço será mantido.  Quanto ao EuroStar, cessou a venda de bilhetes Paris-Londres-Paris do dia 5 de dezembro ao dia 9. Ônibus farão o trajeto Paris-Londres assegurando 23% do serviço.

Os sites dessas empresas propõe busca para verificação da existência ou não do transporte desejado e soluções de transporte opcionais.

Paliativos

A RATP propõe em seu site links para parceiros do ramo do transporte.

Para o tráfego intermunicipal nos arredores de Paris basta consultar Transilien 

Quanto ao site da região Île de France, aproveitou para promover locomoções alternativas com links para:

Penúria de gasolina

Já os profissionais relacionados à construção e trabalhos públicos, os profissionais do BTP *como são chamados, iniciaram desde o dia 29 de novembro o bloqueio a refinarias para protestar contra mudanças fiscais e cortes de subsídios  (*BTP –Bâtiments et Travaux Publiques) . Alguns postos de gasolina começam a sofrer penúria da matéria.

E agora?

Quem lê pode imaginar que isso aqui vai virar um caos!

Porém não, as empresas já contam com o “tele trabalho” (trabalha à distância) e os dispositivos para paliar os problemas dos usuários dos transportes em comum francês parecem estar à altura do desafio. O parisiense vai dar um jeitinho. Eu emprestei a bicicleta do meu filho para o garçom do restaurante que freqüento para que ele possa ir trabalhar, por exemplo.

Em face desses fatos fica até difícil explicar, porém para aqueles que não estão implicados no movimento social quase nada vai mudar.  Basta evitar a região do percurso da manifestação que parte da Gare du Nord, percorre os Boulevards Magenta, Republique, Voltaire e termina na Praça da Nation neste dia 5.

Quem mais para?

A Torre Eiffel pede em seu site que turistas mudem seus planos de visita para o dia 5, alegando perturbações no serviço.

O Museu do Louvre prevê atrasos e algumas salas fechadas no dia 5.

O Castelo de Versalhes, sempre combativo, fecha dias 5 e 6 de dezembro.

E para o turista? e agora?

Se fizer uma venda de última hora para essa semana subseqüente a greve sugira hotéis centrais para facilitar a vida do seu cliente.

Lembrando que Paris tem 105km2, a locomoção a pé é muito fácil. Isso sem falar nas bicicletas e patinetes accessíveis. Uberistas , taxis e receptivos continuarão prestando serviços igualmente.

Para o turista agora é hora de aproveitar e descobrir como as ruas, as praças e avenidas de Paris estão maravilhosas. Alternativas não faltarão.