Faz quase quatro meses que estamos discutindo aqui nesta coluna a hotelaria em tempos de Covid-19. Já sabemos que não existe receita universal, ainda mais diante de uma crise sem precedentes e de um vírus tão devastador quanto desconhecido. Mas, em pleno verão no hemisfério norte, ficou também mais claro do que nunca como algumas fronteiras podem interferir sobremaneira na recuperação hoteleira.
Nas últimas semanas, hotéis e pousadas começaram a reabrir em diversos destinos (no Brasil e no exterior). Mas sabemos o quanto essa retomada da hotelaria não é nada fácil. Além de todas as adaptações pelas quais uma propriedade tem que passar para reabrir em tempos de pandemia, alguns hotéis tiveram que colocar a criatividade para seguir funcionando. Alguns deram nova função a seus quartos ociosos para tentar fechar as contas no final do mês. Outros redesenharam funções, cargos e empregos para atender às exigências dos novos tempos. E ainda temos todo um imenso retrocesso no que diz respeito a uma indústria realmente sustentável no turismo.
Sabemos que as escapadas curtas e as viagens de carro são as que devem se recuperar primeiro, até pelo gerenciamento de riscos ser mais factível (ou aparentemente menos complexo). A recuperação das viagens de longa distância pode incluir ciclos de planejamento extremamente curtos. Trade e consumidor estarão provavelmente monitorando a situação em cada destino. Afinal, não se sabe quando exatamente determinadas fronteiras precisarão ser fechadas novamente. E tudo isso, obviamente, influencia (e influenciará) diretamente na dinâmica das reservas hoteleiras.
Veja aqui como a hotelaria está redesenhando empregos em tempos de pandemia.
Fronteiras fechadas para americanos
Pesquisa recente feita pelo instituto McKinsey sugere que a recuperação da indústria hoteleira em números pré-Covid-19 deve acontecer somente a partir de 2023. Mas o verão no hemisfério norte e o levantar de várias fronteiras nos países que já passaram pela primeira onda toda trouxeram nova dúvida ao setor. Afinal, até onde exatamente algumas fronteiras fechadas podem interferir na recuperação de uma determinada propriedade?
Para destinos na Europa, o banimento temporário de turistas americanos na União Europeia pode prejudicar particularmente a recuperação da hotelaria de luxo e das cadeias norte-americanas. Principalmente aquelas que contam majoritariamente com este perfil de turista durante a temporada de verão. Estima-se que cerca de 18 milhões de americanos tenham viajado para países da União Europeia em 2018. E mais de um terço deles estiveram no continente durante a temporada de verão. Com fronteiras fechadas a eles por enquanto, determinadas redes hoteleiras podem, sim, sofrer significativa interferência em seu processo de recuperação.
Redes americanas como Marriott e Hilton, que contam mais com hóspedes americanos em suas propriedades na Europa, podem sofrer de maneira mais efeitos ao longo de seu processo de recuperação. Para dar uma ideia geral, americanos em viagem ao velho continente no ano passado representaram 20% das diárias vendidas pelo braço europeu da Marriott, de acordo com o Skift.
Além disso, diversos hotéis destes grupos também estavam acostumados a contar enormemente com convenções e turismo de negócios. Entrevistados da McKinsey afirmaram que suas empresas já confirmaram que adotarão a tecnologia como substituta para as viagens não essenciais mesmo quando a pandemia terminar. E especialistas já esperam que o setor de convenções e eventos seja o último da indústria turística a se recuperar.
Leia mais: Dilemas da retomada turística em tempos de coronavírus.
Propriedades econômicas podem se recuperar mais rápido
Por outro lado, fronteiras fechadas com os EUA podem interferir muito menos na recuperação hoteleira de redes baseadas na Europa, como a Accor. Além de focar mais em propriedades midscale e econômicas na Europa, em 2019, cerca de 90% dos negócios da Accor na Europa vieram diretamente do turismo doméstico.
Clique aqui para ver como é a reabertura de um hotel em tempos de pandemia.
Hotéis e pousadas de luxo também tendem a ter recuperação bem mais lenta. Afinal, com custos fixos muito mais altos, um hotel de luxo geralmente precisa de uma taxa de ocupação uma vez e meia mais alta que um hotel econômico para que a conta feche. Portanto, em lugares onde a ocupação ainda está correspondendo a níveis tão baixos quanto 15 ou 20% neste nicho, talvez seja realmente mais prudente esperar o máximo possível para a reabertura. No caso das propriedades na Europa, a interferência pode ser maior ainda neste verão em redes hoteleiras de luxo que dependem mais de turistas americanos, como Four Seasons.
Para pousadas e hotéis econômicos, que possuem custos fixos consideravelmente mais baixos, o cenário é diferente. E os índices de ocupação, muito mais altos. Crises anteriores no setor mostram que quanto maior a demanda e menores os custos operacionais, mais rápida a recuperação.
Mas isso não quer dizer que a jornada vá ser fácil, é claro. Franck Gervais, CEO do grupo na Europa, acha que hotéis higienizados e seguros passam a ser regra definitiva. A experiência que cada “marca” hoteleira é capaz de entregar vai ser diferente. Segundo ele, cumprir os novos protocolos é essencial, mas a personalização da experiência do hóspede é agora mais importante do que nunca.
Veja aqui como pousadas brasileiras estão se preparando para a reabertura.
Luz no fim do túnel
Enquanto destinos reabrem (seja aqui ou lá fora), a maioria dos hotéis aposta em portas abertas sabendo que, infelizmente, ainda correm o risco de fechar novamente a qualquer momento se novos surtos locais acontecerem (como vimos recentemente em destinos da Flórida, na Serra Gaúcha e em Foz do Iguaçu, por exemplo).
A recuperação do setor também depende deste fator importantíssimo, para qualquer tipo de hotel, em qualquer destino: tornar a experiência o mais segura possível. E e é fundamental deixar isso claro para o turista mais ressabiado e prudente. No estudo da McKinsey, os turistas entrevistados responderam que, sim, são as medidas extras de saúde e segurança que os farão viajar de novo a passeio.
The brightside: nos últimos anos, alguns hotéis passaram a operar em sistema de otimização dos lucros, deixando de ver a receita unicamente em termos de ocupação de quartos e diárias vendidas. Passaram a levar em consideração igualmente a receita de alimentos e bebidas, eventos, spa etc. E o setor de F&B (bares/restaurantes), por exemplo, pode ter importância fundamental na recuperação hoteleira nestes tempos de baixa ocupação.
Embora esses setores tenham margens bem diferentes de lucro, os custos também são bem diferentes. Propriedades que já operavam neste sistema mais “holístico” podem ter vantagens na recuperação hoteleira, mesmo com diferentes fronteiras ainda fechadas. Em Amsterdã, por exemplo, hotéis como o The Dylan, que tem um restaurante estrelado entre suas opções de F&B, já vêem um aumento considerável de receita neste setor neste começo de reabertura para o turismo em comparação ao mesmo período do ano passado.
Para propriedades que ainda não tinham investido neste tipo de operação otimizada, e como desafios podem ser também oportunidades, este período complicado da pandemia pode ser o sinal definitivo para esta mudança.
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