Brasil, não é preciso slogan quando se há Gilberto Gil

Gilberto Gil canta ao público do Festival dos Canais, em Aveiro (Facebook/Festival dos Canais

Gilberto Gil sabe que tem um propósito e uma responsabilidade que não os deixa se afastar da atribulada vida de um artista em turnê. Em julho e agosto é pela Europa que ele canta, com incríveis 20 datas em 12 países. O show, “OK OK OK”, fala da vida – da sua e da de seu País. E, para a minha sorte, nesta temporada a entidade desceu pertinho de casa para contar essa história, dando ainda mais luz ao Festival dos Canais, em Aveiro.

Em tempos de debates sobre a imagem do Brasil mundo afora, Gilberto Gil é o slogan perfeito do que temos de melhor. Suas cordas vocais têm 77 anos e não falham. Vibram com a mesma intensidade, exaltação e tom que eu, que nunca o tinha visto ao vivo, me acostumei a ouvir em gravações.

A presença em massa do público mostrava um misto de saudade, dos tantos brasileiros que vivem no Norte de Portugal e viram nesta a oportunidade de viajar pra casa por 90 minutos, e curiosidade, daqueles que não o conheciam e de alguma forma ficaram sabendo da importância da figura que se materializava diante deles.

Gil brincava. Com o violão, com o público, com “o frio atípico dessa noite de verão português”. No palco cercado pela família, ele estava em casa. Em seu altar de costume, que frequenta há mais de 50 anos, a facilidade com que ele preenche o espaço e a naturalidade com que as palavras são expressadas emociona.

Em quase duas horas de show, voltei ao Brasil. Vivi pelo som de Gil e de sua banda a vida que, daqui, leio em jornais e em relatos dos meus. Apesar de tudo, me deu saudade. Mas, principalmente, me deu orgulho. Orgulho de dizer que nasci na mesma terra que Gilberto Gil.

Festival dos Canais lotou no último sábado para ver Gilberto Gil (Facebook/Festival dos Canais)

O FESTIVAL

O Festival dos Canais é uma iniciativa da Câmara Municipal de Aveiro e chegou em 2019 a sua quarta edição. A pouco menos de uma hora de estrada ou trem do Porto, a cidade buscava meios de atrair o enorme fluxo de turistas internacionais que têm visitado a vizinha.

Promover um final de semana repleto de intervenções artísticas foi a criativa e bem-vinda saída. Na movimentada agenda dos últimos cinco dias, foram apresentados 251 espetáculos, com a presença de artistas portugueses e internacionais. Do ponto de vista do visitante, funcionou. A cidade estava lotada, viva como eu nunca havia visto antes.

Candidata a ser Capital Europeia da Cultura em 2027, promover festivais e eventos tão ricos como este aumentam a relevância de Aveiro perante a opinião pública internacional. Esse é um objetivo que a cidade não esconde e, enquanto a cultura estiver ganhando visibilidade e investimento como foram nos últimos cinco dias, o Festival dos Canais é uma ferramenta mais do que válida. A população local e os turistas agradecem.

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.

Terra de castelos

A bandeira de Portugal no sempre lotado Castelo de São Jorge, em Lisboa

Castelos costumam gerar um curioso (e compreensível) fascínio nas pessoas, seja pela beleza estética ou pela importância histórica que alguns deles possuem. Eu, que gosto muito de história e me animo com essas construções bem preservadas, adoro visitar uma fortificação ou palácio toda vez que passeio por um novo local – especialmente aqui na Europa, terra tomada por castelos.

Eu já defendi neste blog em outros momentos o Turismo em Portugal por meio de suas estradas. Há alguns meses dei sugestões de roteiros saindo do Porto e, mais recentemente, falei das Aldeias de Xisto no centro do país. Destinos que valem uma visita estão espalhados por todas as regiões e, nesse post, quero demonstrar isso usando a meu favor os castelos de Portugal.

Fragmento da Muralha Fernadina, no Porto

Segundo o Wikipedia, Portugal possui quase 200 construções entre castelos, palácios, fortificações, torres e muralhas. Em um país com dimensão um pouco menor que a do estado de Pernambuco, fica fácil de imaginar que esses castelos estão postados em tudo que é parte.

Por vezes residência de membros da nobreza, mas sempre uma extensão da atuação do governo em vigor, os castelos tiveram enorme importância ao longo da história de seus países – e, como é possível notar ao analisar o posicionamento dessas construções, também serviram para assegurar territórios e delimitar fronteiras.

No mapa criado por este blog, estão sinalizadas 171 construções históricas que, de alguma forma, ajudaram Portugal a desenhar sua trajetória ao longo dos séculos. Desde o Castelo de Guimarães, um dos bastiões na formação de Portugal como nação, até o Convento de Cristo, em Tomar, morada de templários e exemplo do papel que a igreja católica exerceu ao longo da história lusitana.

O evidente caráter defensivo dessas construções explica a concentração de castelos em regiões de disputa territorial com reinos vizinhos, seja no interior ou no litoral. Ainda assim, essas fortificações estão espalhadas por absolutamente todas as regiões de Portugal, de norte a sul.

Obviamente que há castelos mais interessantes e bem preservados que outros, ou mais importantes historicamente falando. Mas, para um turista em deslocamento entre os principais destinos de Portugal, é praticamente impossível viajar e não cruzar com uma construção de destaque.

A minha sugestão é que, definida a rota de uma viagem rodoviária pelo país, dê uma olhada nas cidades pelas quais você passará. Há grandes chances de que uma peça importante da história de Portugal esteja no seu caminho. Pesquise a história e detalhes como horários de visita e atividades que possam estar acontecendo.

A bela vista do Castelo de Penela para a Serra da Lousã

Fiz isso em uma viagem recente a Coimbra e acabei por conhecer o Castelo de Penela, que junto a outras fortificações teve papel na defesa da região perante as ofensivas mouras no século 12. Em um desvio breve do meu trajeto e uma visita rápida, tive contato com a linda arquitetura medieval do castelo e uma vista incrível da serra da Lousã.

Mas se história e castelos não forem o suficiente para lhe animar, também pesquise a gastronomia local. Aqui eu fiz um mapa com exemplos da confeitaria conventual (parte I e parte II), que também dá uma ideia de quão presentes esses doces estão pelo país.

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.

Onde tudo começou: o Castelo de Guimarães

Volta ao tempo nas Aldeias do Xisto, em Portugal

Talasnal e a Serra da Lousã, no Centro de Portugal

Muitas palavras em Portugal podem causar estranheza aos ouvidos brasileiros, seja por possuírmos termos diferentes para os mesmos objetos, seja pela divergência de significados. Mas esse não é o caso aqui. Apesar de ser um tanto quanto inusitado, quando você lê no título “Aldeias do Xisto”, sim estou falando das rochas metamórficas. Literal que é, o português deu tal nome a esse tipo de vilarejo porque ele é construído absolutamente inteiro utilizando as rochas que são conhecidas pelo tom acastanhado.

Espalhadas pelo Centro de Portugal, atualmente 27 aldeias formam a “Rede de Aldeias do Xisto”. Como estão situadas no coração do país, a visita a um desses vilarejos é uma excelente opção para quem viaja de carro entre Lisboa e o Porto (ou vice-versa). Eu cito especificamente viagens de carro porque uma das características das Aldeias do Xisto é que elas estão instaladas em locais inóspitos, afastadas de grandes cidades da região e, não raro, no topo de áreas montanhosas.

Xisto em todos os detalhes

Antes de comentar a experiência de visitar uma Aldeia do Xisto, uma breve explicação do que são exatamente essas vilas. Eu começaria escrevendo “Em meados do século…”, mas não se sabe bem desde quando comunidades vivem nos locais que hoje conhecemos como Aldeias do Xisto. É sabido que romanos, bárbaros e árabes por lá estiveram e, dada a presença de gravuras rupestres (como na região de Zêzere), é possível aferir que haviam moradores até mesmo antes disso. O que é certo é que as Aldeias do Xisto se expandiram ao longo do período medieval, por estarem em meio a rotas comerciais, mas principalmente pela característica agrícola e pastoril das comunidades que ali viviam.

A abundância de xisto na região moldou a arquitetura das vilas, com rochas compondo os passeios, as escadas, os pátios e, obviamente, as grossas paredes que dão corpo às Aldeias. O projeto que sustenta a Rede de Aldeias do Xisto destaca a presença humana como o grande monumento desses vilarejos, “um elemento simbioticamente ligado ao território que o envolve e à comunidade que o sustenta”.

Tal presença, aliás, segue por lá. Apesar do abandono no meio do último século, atualmente as Aldeias do Xisto presenciam um movimento de retomada, com habitações passando por reformas e novos moradores escolhendo a rotina quase que monástica desses locais – para quem busca exatamente esse sossego, uma busca dessas regiões no Airbnb lista diversas opções de hospedagem em casas autênticas de xisto.

A manutenção do vilarejo é bem supervisionada

Aqui entra o relato da minha visita a uma Aldeia do Xisto. A escolhida foi a graciosa Talasnal, em meio a Serra da Lousã, mas falar somente do vilarejo é perder um tanto da experiência. Tudo começa muito antes de chegar a Talasnal, mais precisamente quando da entrada na estrada que leva até ela (estou sendo bem generoso chamando a via de estrada). Por cerca de 30 minutos, um caminho de duas mãos, com espaço para um veículo por vez, em subidas e descidas e extremamente sinuoso. Ao mesmo tempo, cenários incríveis que mesclam mata fechada com pinheiros altíssimos e encostas abertas com vista para as montanhas que abraçam a região. O que eu via desde a estrada já era muito exótico e bonito, e era uma introdução para o que estava por vir.

Ao chegar em Talasnal, a sensação é de volta no tempo. O cenário homogêneo e monocromático, de um repetido tom castanho-acinzentado, me engole conforme vou acessando as ruelas, uma mais estreita que a outra. A Aldeia vive, tem um comércio à disposição dos turistas (alguns que fazem a pé a trilha de 6 km que fiz de carro) e até senhores trabalhando em um tipo de reforma evidenciam isso. Cruza-se portas tapadas por trepadeiras, casas que há muito foram abandonadas. E da solidez do xisto que me cerca por todos os lados surge uma espécie de limite da Aldeia. As casas e ruelas que se amontoavam param em um pátio e dele se vê a vastidão de montanhas à frente de Talasnal.

Aldeias do Xisto se consolidaram durante o período medieval

Dos pés da Aldeia, com vista livre, é que se tem noção de quão afastada do resto do mundo está a comunidade. É desse mesmo ponto também que eu compreendo o resultado de tantas ruelas e tantas paredes levantadas em xisto. Não é preciso se afastar muito para conseguir visualizar Talasnal em sua totalidade (e exuberância), postada no alto da Serra da Lousã, com vista privilegiada daqueles que lá embaixo vivem uma outra realidade (ou que vivem em outro tempo).

Apesar do valor histórico, as Aldeias do Xisto não são museus, parques ou coisa parecida. São vilarejos reais e, por isso, não se cobra entrada para visitá-los. O site da Rede de Aldeias do Xisto reúne sugestões de rotas de visita e até trilhas para aqueles mais ativos. Além da Serra da Lousã, as Aldeias também estão espalhadas pelas regiões de Serra do Açor, Zêzere e Tejo-Ocreza, sempre na macrorregião de Centro de Portugal.

Não deixe de dar uma olhada nos últimos posts e acompanhe a jornada do Viajante 3.0 pela blogosfera da PANROTAS e também pela conta no Instagram.