O francês não é quadrado

O francês não é quadrado e sim hexagonal ou a nova campanha da SNCF

Aqui não se fala outra coisa que a obra de Christo no Arco do Triunfo (embalado) que custou quatorze milhões de Euros. Mesmo aqueles franceses que detestaram o resultado podem se deleitar criticando. E criticar, o francês gosta.

Arco do Triunfo embalado: 25 000 mil metros de tecido, três mil metros de cordas, 14 milhões de euros e muita polêmica. Em exposição até 3 de outubro.

No entanto, como gosto não se discute, eu não vou escrever sobre o Arco do Triunfo, hoje quero escrever sobre um outro florão nacional francês, a SNCF (Sociedade Nacional de Caminhos de Ferro). E vou aproveitar para louvar a obra de um outro artista, mas para isso vou ter que contar primeiro uma experiência bem pessoal.  

Eu detesto a SNCF

Eu detesto a SNCF, quero dizer, eu detestava a SNCF. Isso porque um dia, viajando entre o Brasil e os Alpes fui obrigada a parar em Lyon.

Naqueles tempos onde ainda era possível viajar com 2 malas de 35 quilos me vi na plataforma da estação de trem de Lyon com os dois objetos sem saber o que fazer. Elevadores quebrados e uma escada magistral me separavam do saguão principal onde eu devia imprimir minha passagem de Lyon à Grenoble.

30 minutos mais tarde, cheguei, suada e exausta ao dito saguão. Também, que ideia viajar com 70 quilos + 2 bagagens de cabine pra trazer presentes, roupas novas, caju, bombom garoto, goiabada, paçoca e Deus sabe mais lá o quê!!??

12 horas de viagem GRU-CDG, 3 horas de Paris Lyon, 30 minutos para descer escadas e agora só me bastava imprimir o bilhete que me levaria a minha casa naquele momento.Uffa! E eis que uma fileira de cadeiras impede a passagem das minhas companheiras de viagem. Malas, cadeiras, totem SNCF, tudo coladinho, analisei: um metro me separaria de minhas malas, a dimensão da fileira de cadeiras e logo atrás eu poderia imprimir os bilhetes. Fui!  

Enquanto “lutava” com o Totem para imprimir o TKT, distraída poderia ter sido roubada. Porém, não foi isso que aconteceu. Quando me dei conta dois militares em roupas de camuflagem e armas nas mãos buscavam em torno das malas um terrorista mentecapto. Que bronca eu levei! Fui tratada como um lixo, como um assassino. Minha cabeça cansada mal conseguia lidar com essa situação.

Vigipirate _ O dispositivo militar que luta contra o terrorismo. Você teria medo como eu tive?

Uma vez que eles partiram me pus a chorar e liguei para que meu companheiro viesse me buscar. Não mexeria dali sozinha. Fiquei esperando, bem do ladinho das malas e a cada partida de um trem ouvia o jingle da SNCF anunciando a destinação. Desde então, cada vez que ouço o jingle (patatara) fico triste.

jingle SNCF

O Francês separando joio do trigo

Nem sempre é fácil distinguir o trigo do joio, mas quem poderia acreditar? Dezesseis anos atrás, na França, eu fui suspeita de ser uma terrorista, eu!!

De fato, fluxos migratórios vêm mudando o cenário francês. Aqueles que chegam trazem novidades, novas problemáticas e um jeito diferente de viver, bagunçando inconscientemente a harmonia dos que já estavam presentes.  

Diante dessas mudanças, a identidade nacional é questionada e o futuro da nação parece incerto para muitos. Assim, o Estado se vê face ao grande desafio de unir o novo e o velho, criando sincronia e um país melhor para todos. No entanto, unir qualquer coisa “nova” com “velha” é quase com querer misturar água com óleo. A receita pode parecer complicada. A pirâmide do Louvre também foi polêmica e difícil de engolir para muitos no momento de sua realização. No país apelidado carinhosamente por seus habitantes O Hexágono, a subida de extrema-direita nas pesquisas confirma o receio de alguns de perderem seu país de outrora.

Diga-se de passagem, verdadeira ou falsamente, o Brasil antes das últimas eleições presidenciais fazia ofício de referência para o mundo quanto ao seu sincretismo cultural e religioso

Diante do questionamento do francês, eu me pergunto: Qual a fórmula para chegarmos a um sincretismo cultural equilibrado onde a sociedade evolui e pessoas diferentes convivem pacificamente?

Uma campanha publicitária para federar a nação

E de repente a SNCF cria uma publicidade que digna de federar a nação. Como não ter orgulho de ser francês ouvindo as palavras de Gael Faye, este jovem franco ruandês que conseguiu misturar pimenta malagueta com croissant?  Gael Faye encontrou o que cada francês tem em comum, com seu Slam o jovem faz um discurso onde cada um pode se identificar.

Com a campanha Hexagonal, a SNCF e o cantor/compositor Gael Faye nos lembram quem é o francês e assim, quem é a França. Tudo que posso adicionar é “Sejam bem-vindos”:

Hexagonal

Criativos e inventores, grandes artistas

Grandes feministas, grandes bocas,

Grande de coração, mas acima de tudo grande “reclamão”.

Grandiloquente às vezes, a flor na arma, e os entraves nos dentes,

mas romântico como um Apollinaire de 20 anos.

Elegante como nenhum outro, adornado com o mais belo acessório,

vestidos excessivamente “estilosos” e desfilando no Grand Palais

Mas acima de tudo pronto para marchar pela igualdade,

para declarar direitos para todos os homens,

para todas as mulheres e para nossos pimpolhos.

Humanistas até o fim das garras, humanos até o fundo das entranhas,

cigarras na língua, oceano nos lábios,

(Queijo) Maroilles na boca, ou chucrute sob o dente,

vibramos, choramos, rimos, dos seis cantos do país,

respiramos o mesmo vento. Pessimista muitas vezes,

enfrentando adversidades, bem como enfrentando o adversário,

(pessimistas) erroneamente, no entanto, basta olhar para trás,

Partidários da Terra, amantes do meio ambiente, de nossas florestas, nossas planícies,

nossos mares, azul, branco, vermelho, mas cada dia mais verde.

Não somos estáticos, somos progressistas, não vamos nos refazer,

às vezes estamos atrasados, mas não somos atrasados, somos a vanguarda,

não estamos presos, temos um humor excepcional,

não estamos de má fé, somos apenas um pouco paradoxais

Não somos quadrados… Somos hexagonais.

Claude François,o pesadelo de Frank Sinatra

O titulo deste texto é Claude François, o pesadelo de Frank Sinatra, mas poderia ser Claude François, Frank Sinatra e o Brasil. Descubra o porquê.

As fronteiras do principal destino turístico do mundo seguem fechadas (*1). O turismo se encontra em letargia! Mas eu estou aqui com você querido leitor!

Pois, mesmo sem deslocamentos e visitas, nos resta a cultura e muitos fatos que fizeram da França o que ela é. Curiosidades que sempre quis dividir com você e nunca tive tempo, como a história de Walt Disney da semana passada e agora esta sobre o cantor Claude François.

Poucos sabem que a famosa canção My Way (*2) , levada ao sucesso internacional graças à Frank Sinatra é francesa. Composta por Jacques Revaux e Claude François, criada em 1967 sob o título “Comme d’Habitude” ou “Como de Hábito” foi adaptada, para o público anglo-saxão, por Paul Anka antes de ser interpretada no palco por Frank Sinatra.

Na boca do ítalo-americano, o lamento do homem francês ( Claude François) sobre o peso do quotidiano em sua vida amorosa tornou-se a história de um artista em fim de carreira, que olha para trás e faz o balaço de sua vida.

Coincidentemente a última canção do lado B e canção título do disco de Frank Sinatra foi lançada simultaneamente ao próprio adeus do artista aos palcos, anunciado para o mesmo ano de 1969. (“And Now, The End is Near…“) Falso adeus,  já que o “old bleu yes” continuaria a cantar My Way, entre outros sucessos, por mais um quarto de século, antes de finalmente sair de cena em 1998.

Sucesso planetário x tortura mental

O fato é que “My Way” grudou na pele do artista, se tornando possivelmente uma de suas canções mais populares.

No entanto, concerto após concerto durante um período de 25 anos, ele nunca hesitou em dizer ao público exatamente o que ele achava dela:

“Eu odeio essa música – se você a cantasse por oito anos, você odiaria também!” (Caesars Palace, 1978)

“E, claro, chega a hora do momento torturante – não para vocês, mas para mim.” (L.A. Anfiteatro, 1979)

“Eu odeio essa música. EU ODEIO ESSA MÚSICA! Eu estou até aqui com essa maldita canção!” (Atlantic City, 1979)

E ainda assim, em muitas dessas mesmas apresentações, ele disse à multidão que a mesma música tinha sido “muito boa para mim – e cantores como eu”. Afinal “My Way” é uma canção que fez mais do que qualquer outro título para a última fase da carreira de Frank Sinatra. Ela praticamente relançou sua carreira.

Quanto à Claude François, o cantor francês, ele fez grande sucesso durante seus quinze anos, se tornando um dos artistas franceses mais populares de seu tempo. Era considerado como uma espécie de “Roberto Carlos” da França antes de sua morte acidental em 1978.

(The last but not the least) Eu, pessoalmente não gosto do repertório de Claude François, nem de My Way eu gosto, porém não deixa de ser interessante o fato de  Claude François ter marcado também a vida de muitos brasileiros, mesmo sem que eles tenham jamais ouvido este nome até os dias de hoje.

anos 60/70

Claude franÇois e a música francesa no brasil

Não foi somente Paul Anka que teve a brilhante idéia de adaptar a música de Claude François. De fato, as “trocas” musicais entre brasileiros e franceses eram mais comuns do que imaginamos. Veja alguns exemplos:

Le téléphone pleure –autor Claude François 1974

O telefone chora –  intérprete Márcio José 1975


Tu t’en vas 1975 – autor Alain Barrière

Não se vá -intérpretes Jane e Erondi 1977


a música brasileira na franÇa

E essas trocas musicais se fizeram da França para o Brasil , mas também aconteceram no sentido contrário. A França, por sua vez, se apaixonou pelo nosso samba e a bossa nova.


Partido Alto – Chico Buarque de Holanda 1972

Qui c’est celui-là ? (Quem é esse ai ?) Pierre Vassiliu 1973.

Título número um na França em 1974.  Adaptação de Partido Alto de Chico Buarque.

O disco do mesmo nome vendeu 300.000 cópias em quatro meses. O “partido alto” em francês não envelheceu e até hoje anima as festas e noitadas de nostálgicos.


Samba da Benção autor Vinicius de Moraes 1967

Saravah –Pierre Bayrou – filme Um Homem, Uma Mulher 1966.

Espere até 21 segundos do filme. Um dos meus filmes preferidos da Sessão Coruja. O artista Pierre Bayrou veio ao Rio e escutou a canção antes mesmo de ser gravada no Brasil. De volta à França, Pierre Bayrou convenceu Claude Lelouche a mudar o cenário de seu filme pra introduzir a sua versão em francês de Samba da Benção.


Enfim, mesmo se o turismo está letárgico, a França ainda tem muita história para contar. Sua ligação com o Brasil e influência no mundo é atemporal. Assim como, a influência da música brasileira na França também não deixa nada à desejar, é claro.

Começamos com o pesadelo de Frank Sinatra e acabamos fazendo um passeio musical no passado *3. Nada mais adequado para uma terça feira de Carnaval.

Espero que tenha gostado.  Abraços e a semana que vêm tem mais!


Outros

Águas de Março, Vanessa Paradis
Bia, Coração Vagabundo
Henry Salvador, Eu sei que vou te amar
Brigitte Bardot canta bossa nova
Jeanne Moreau canta samba
Patrick Bruel e Chico Buarque
France Gall Maria Vai Com As Outras – Vinicuis de Moraes
Anos 30, quiça onde tudo começou!

Notas:

*1 De acordo com dados da Organização Mundial do Turismo, desde a década de 1990, a França tornou-se o principal destino turístico do mundo  (89 milhões de turistas internacionais em 2017).

*2 My Way é uma das músicas mais gravadas no mundo com Yesterday dos Beatles e Georgia on My Mind escritas e gravadas em 1930 por Hoagy Carmichael e Stuart Gorrell, e popularizada em 1960 por Ray Charles7.

De acordo com o relatório de 2012 da SACEM, graças ao sucesso de My Way, “Comme d’Habitude” continua sendo a canção francesa mais exportada. As receitas anuais somam mais de um milhão de euros.

*3 Não gosto mesmo de introdução, desenvolvimento e conclusão.

Fronteiras abertas?

Ligações de amigos anunciando a fronteiras abertas com o Brasil, as manchetes de inúmeros jornais e as explicações suscintas nos sites governamentais me levaram a confusão e eu cheguei a publicar a abertura das fronteiras alguns minutos atrás. Mas não! Perdão.

No dia 24 de julho, o primeiro-ministro francês anunciou que viajantes oriundos de 16 países onde o vírus está circulando fortemente poderão entrar no território francês sob apresentação de testes negativos para o Covid-19. O que ele quis dizer? Que viajantes oriundos de 16 países onde o vírus está circulando fortemente poderão entrar no território francês SOMENTE sob apresentação de testes negativos para o Covid-19.

“As fronteiras com essas nações continuam fechadas!” Afirmou Jean-Castex (o novo primeiro ministro) em discurso realizado durante sua visita ao aeroporto de Orly.

Os 16 países interessados dessa lista no momento são: África do Sul, Argélia, Bahrein, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, Índia, Israel, Kuwait, Madagascar, Omã, Panamá, Peru, Catar, Sérvia, Turquia. 

Diante da possível dificuldade de realizar um teste em alguns desses países, um sistema de generalização de testes na chegada está gradualmente sendo colocado em prática nos aeroportos e portos franceses, e estará totalmente operacional até 1 º de agosto.   Isso consistirá em testar sistematicamente os viajantes desses países em risco: aqueles testados negativamente no Covid-19 poderão se mover livremente pelo país. As pessoas que testarem positivamente serão colocadas em isolamento durante quatorze dias.

Quem pode entrar na França vindo do Brasil? Brasileiros com residência legal na França, franceses e estudantes que tiveram seus cursos confirmados.

Fronteiras seguem fechadas para turistas brasileiros

Fronteiras Abertas:  Atualmente são admitidos como turistas na França pessoas vindas dos seguintes países:

Argélia

Austrália

Canada

Georgia

Japão

Montenegro

Marrocos

Nova Zelândia

Ruanda

Sérvia

Coreia do Sul

Tailândia

Tunísia e Uruguai

Veja quais atividades estão funcionando Na França:

Restaurantes, bares et cafés Abertos com respeito das medidas de distanciamento social en zone verte
Praias, lagos, corpos d’água, centros de atividade náutica Abertos
Piscinas Abertas
Museus e monumentos, zoológicos Abertos com respeito das medidas de distanciamento social. Muitos museus exigem reserva com data e hora marcada.
Parques de lazer Abertos

Shopping
Todas as lojas e shoppings estão abertas, a menos que seja aconselhado de outra forma pelo prefeito. O uso da máscara é obrigatório
Cinemas Abertos com respeito das medidas de distanciamento social
Teatros Abertos com respeito das medidas de distanciamento social
Estádios, pistas de corrida Autorizados com respeito das medidas de distanciamento social e respeito de menos de 5.000 pessoas até o final de agosto
Esportes individuais Autorizados
Esportes em grupo Autorizados 
Esportes de contato (boxe, artes marciais, etc.) permanecem proibidos
Casinos Abertos com medidas sanitárias
Discotecas Fechadas até 31 de agosto

Manchetes e artigos anunciam igualmente a volta das feiras e salões internacionais a partir de setembro. Seria esse um bom presságio?

Nota: atualmente em torno de 6000 pessoas estão hospitalizadas devido ao Covid-19 na França e a media de óbitos se situa em 15 pessoas por dia.

Acesse o link para ver mais dados e o mapa indicando as zonas em alerta.